quarta-feira, 16 de maio de 2007

Sentir Dez...

No futebol, como tudo na vida, todos são importantes. Por todos tenho: jogadores, staff técnico, dirigentes, adeptos, árbitos, etc. Mas todos concordamos, que uma grande fatia, se não mesmo a maior, do fascínio do futebol, "assenta" nos jogadores. E o mesmo princípio repete-se. Todos, desde o guarda-redes, até ao ponta de lança, são importantes para o desempenho da respectiva equipa. Nada de novo.

Mas o assunto que me "empurra" para estas palavras, é muito menos harmonioso.
Falo da prerrogativa de ser DEZ. Este privilégio nada tem a ver com o dorsal que qualquer jogador pode ostentar - já chegamos ao cúmulo de um guarda-redes o usar -, mas sim com um sentir "diferente" o futebol, aliado a uma perspectiva muito sua. Muito nossa.
Se se pudesse escolher, muitos optariam por ser dez. Os que me dizem que não é assim, decerto que o fazem por frustração. Mas o que é afinal ser Dez?

Ser Dez, não se reduz apenas à posição que se ocupa. Jogadores há que ocupam essa posição durante toda sua carreira, sem nunca o serem.
Uma relação especial com o futebol, e com a bola. Uma maneira diferente. Romântica. Apaixonada. Não é o que faz dentro de campo, mas sim como o faz.
Cuida da bola como se de uma amante se tratasse. Sedu-la, acaricia-a, ama-a. Mesmo quando aparenta tratá-la com violência, não nos esqueçamos que uma palmada fica sempre bem...
É ser orgulhoso, vaidoso, de alguma forma até malicioso. Não procura a forma mais fácil de jogar, mas sim a que mais prazer lhe proporciona. Porque ser dez, acima de tudo é um prazer. O prazer de ser diferente, nem melhor, nem pior, apenas... diferente.
No seu crescimento, na sua maturação, até pode aceitar ser desviado do seu papel de príncipe na equipa, tal como pode parecer submisso ao conceito generalista das boas maneiras. Qual borboleta que nasce de uma larva, este ser de excepção, quando se emancipa demonstra o seu real carácter. Umas vezes dará a impressão de ser arrogante. Outras de ser um perfeito egoísta. Mas o facto é que o genuíno Dez na sua definição, é-o. Não se deve subjugar o seu fado às necessidades da equipa. Antes pelo contrário. As equipas, as que tem o privilégio de contar com um jogador assim, devem, da melhor forma possível, retirar o máximo proveito do mesmo.

"Sentir Dez" não se trata de golos, não se trata de espírito de sacrifício. É uma arte, e como tal, mascara-se de fútil. Quando se acusa esta selecção de jogadores de adornar os lances, fazendo deste facto uma opção consciente, comete-se uma tremenda injustiça. Eles não a têm. O futebol "romântico" está-lhe embutido nos genes. No conceito de bom futebol comete-se o erro de generalizar. Diz-se muitas vezes que a beleza do futebol consiste em jogar simples, que isso sim é que é complicado. Que isso sim, é que torna o futebol bonito, fluido, estimulante. A estes respondo: não me estou a referir a um trinco. A beleza de movimentos de um Dez está no facto de dissimular o complicado de simples; a facilidade com que executa os mais complicados movimentos, quer na concepção, quer na execução.
O futebol moderno não se compadece com este tipo de jogadores. Outra excelente tirada. Claro que não, até porque pressupõe-se que com a evolução tudo se torne mais banal, e menos inteligível. Perdendo a beleza espaço nesse estado. Claro. Peguemos no caso da raça humana. Todos nós sabemos que o Homo heidelbergensis, do periodo do Pleistoceno, era mais bonito, e mais complexo que seu sucessor, o homo sapiens. Este quando evoluiu tornou os seus processos muito mais simples. Exacto.
Não consigo compreender como se pode catalogar este tipo de jogadores, que se distinguem pela sua inteligência, e elegância de movimentos, de alguma forma "obsoletos". A verdade é que cada vez existem menos. Sim, mas Jardim também foi novamente eleito. E onde é que isso prova que ele é uma pessoa idónea? Não prova, da mesma forma que o facto do desaparecimento deste tipo de jogadores, poderá significar que talvez o futebol esteja a tomar o rumo errado, talvez...



É tão genuíno como o riso de uma criança, tão profundo como a lágrima que acompanha a derradeira despedida de alguém que se ama.

O futebol, por muito que o neguem, não é resultados. Muitos nem sabem o que é, e por isso associam as vitórias à sua paixão por este desporto. Que não é apenas mais um.

O futebol na sua essência, na sua plenitude, é demasiado magnânimo para por todos ser convenientemente interpretado e dignificado, na plenitude das suas feições. E "sentir Dez" é isso mesmo. Acima de tudo defender o futebol, enquanto algo que se transcende para além de um mero desporto. Sem qualquer tipo de subserviência para com os resultados, ideolgias técnicas, nada. Apenas lhe interessa a arte subjacente no mesmo. Por isso resistem, e teimam em fazer sonhar, encantar, e despertar paixão...