quinta-feira, 27 de maio de 2010

Mourinho: a Posse e o Espaço

Há quem diga que o espaço é mais importante que a posse de bola, pois, sem espaço não há posse que valha. O argumento é parvo e consiste em ignorar a outra hipótese. Se sem espaço não há posse que valha, o que fazer com todo o espaço do mundo mas sem posse? Não creio que, sem bola, seja possível fazer mais do que ocupar melhor possível o espaço. Mas há quem afiance, de pés juntos e mão ao peito, que José Mourinho deu este ano uma lição àqueles que acham que a posse de bola é o mais importante num jogo de futebol. E isto com o pressuposto de que deu esta lição pondo em evidência que é o espaço e não a bola que mais interessa a uma equipa.

Em primeiro lugar, José Mourinho não deu lição nenhuma. Mais não fez que ganhar uma Liga dos Campeões como tantos outros já ganharam, de um modo que de genuíno não tem nada e que nem sequer tem muito a ver com aquilo que foram os seus primeiros anos de treinador. A verdade é que, de certo modo, Mourinho ganhou vendendo a alma, ganhou como, por exemplo, Benitez tinha ganho, abdicando da iniciativa de jogo, defendendo o melhor que podia, atacando pela certa e esperando pela graça divina, pela inspiração dos seus avançados e pelos erros dos adversários. Não tenho nada contra ganhar deste modo nem estou a defender que não se pode ganhar deste modo. Está mais do que provado de que é possível ganhar de todas as maneiras, sobretudo provas como esta, cujo modelo potencia o equilíbrio entre equipas mais fracas e equipas mais fortes e facilita o trabalho de equipas que dependem do comportamento dos adversários para fazer valer os seus pontos fortes. Mas não tenho também dúvidas de que, optando por isto, se depende muito mais de factores que não se podem controlar, como a arbitragem, a sorte, a atitude do adversário, a inspiração de dois ou três avançados, os momentos de finalização, etc.. Mourinho ganhou, é certo, mas raramente foi superior, ao longo das quatro eliminatórias da prova, já para não falar das dificuldades que teve para se apurar para a segunda fase. Dependeu sempre da inépcia dos adversários e da felicidade, fazendo do seu modelo de jogo não um modelo único e próprio, mas um contra-modelo, delineado sempre em função do comportamento do opositor. É possível alegar que tal forma de encarar o jogo é perfeitamente legítima e, mais do que isso, possibilita vitórias. Como já referi, acredito que se pode ganhar de várias maneiras, sobretudo provas que não dependem da regularidade exibicional. Aquilo em que não acredito é que todas as maneiras de jogar possibilitem as mesmas probabilidades de ganhar.

Como o que me interessa aqui é discutir o par de opostos em que se constituem a posse de bola e o espaço, não me deterei muito mais naquilo que foi a campanha europeia do Inter, que alguns garantem ter sido exemplar. Como é sabido, defendo que a melhor maneira de ganhar, aquela que maiores probabilidades confere a uma equipa de ser bem sucedida, é aquela que faz da posse da bola a sua filosofia primeira. Do meu ponto de vista, nenhuma equipa que queira ser grande, que queira disputar e vencer tudo, pode negligenciar a posse de bola. Se há casos de vencedores de Ligas dos Campeões ou de Campeonatos Europeus ou Mundiais que o fizeram, como o Inter de Mourinho, o Liverpool de Benitez, ou a Grécia de Rehhagel, é apenas porque esse tipo de competição, sendo decidida em eliminatórias, não confere importância à regularidade, à capacidade de uma equipa jogar constantemente bem, privilegiando, em vez disso, o detalhe e até a arbitrariedade da fortuna. É muito mais difícil encontrar vencedores de campeonatos nacionais cujo modelo de jogo de base se construa com os pressupostos destas equipas, isto é, com um bloco baixo, muitos homens atrás da linha da bola, ofensivas constantemente em inferioridade numérica, privilégio dos momentos de transição, etc.. A razão pela qual as competições nacionais raramente são ganhas por equipas que actuem preferencialmente desse modo é simples. Num campeonato em que se exige regularidade, estas equipas, embora possam ser muito fiáveis defensivamente, carecem de uma capacidade ofensiva evidente e perdem necessariamente pontos contra equipas que não se expõem tanto, que não atacam tanto. Colocar a equipa a jogar deste modo, isto é, dispensando a posse e concentrando-se no espaço, é especialmente útil contra equipas que gostem de atacar e de ter a bola, e ainda em competições a eliminar, em que um empate num dos jogos não é um mau resultado, em que os penálties acabam por equilibrar as diferenças entre os dois conjuntos, e em que os detalhes costumam ser mais decisivos. Perder um desafio numa competição nacional é, por isso, muito menos relevante e os detalhes, nessa competição, não fazem tanta diferença.

Ora, perante isto, é possível dizer que o Inter de Mourinho se adaptou à especificidade desta competição, jogando num modelo que, para esta prova, fazia todo o sentido, jogando porém de outro modo no campeonato italiano. Isto não é verdade. Se há coisa que Mourinho vinha a fazer, já há algum tempo, era a preparar a sua equipa para ser aquilo que foi nesta competição. Há quem possa pensar que surtiu efeito. Não penso assim. De facto, Mourinho venceu tudo, conseguiu algo que ninguém conseguia há muito tempo no Inter e mostrou que é um vencedor como há poucos. Mas a que custo? O modo de jogar do Inter, no campeonato, não foi especialmente diferente. Apanhando-se a ganhar, por exemplo, era comum ver a equipa abdicar da bola, recuar e defender com um bloco baixíssimo, entregando toda a iniciativa ao adversário. Se isto resultou umas vezes, não resultou noutras. E a verdade é que a revalidação do título, num campeonato pautado pela irregularidade de todos os conjuntos e paupérrimo em termos de oposição à hegemonia dos milaneses, chegou a estar tremida, sendo que a Roma, que começou o campeonato muito mal, chegou a estar a catorze pontos do Inter, andou completamente arredada da discussão do título durante três quartos da prova e, mesmo assim, por pouco não era campeã. O futebol à italiana do Inter de Mourinho serviu para ganhar tudo, mas apenas porque em Itália não há, em termos de concorrência, qualquer espécie de oposição. O Inter não fez um campeonato brilhante, não praticou um futebol interessante e sagrou-se campeão mais por demérito dos adversários do que por mérito próprio. É aqui que quero chegar.

Mourinho preparou a sua equipa especificamente para triunfar nas eliminatórias da Liga dos Campeões, passando a estratégia nestes jogos por entregar a iniciativa ao adversário. Resultou, como podia não ter resultado. Com a estratégia adoptada, entregou o destino da sua equipa à sorte, que lhe acabou por ser favorável. De facto, ganhou aquilo a que se propôs. Mas os custos, creio, foram bastante pesados. A equipa tornou-se absolutamente medíocre com bola, sem qualquer imaginação, incapaz de inventar coisas novas. Passou a poder jogar apenas de acordo com os ímpetos dos adversários, passou a ser uma equipa de reacção. Como todas as equipas que só são eficazes em reacção, tornou-se dependente de diversos factores e isso, por pouco, não lhe custava o título italiano. Custar-lhe-á muito mais, de certeza, no futuro. O seu Inter parou de evoluir, passou a ser uma equipa que só se sente bem com espaço e que, quando não o tem, não sabe o que fazer. Eis o problema de se preferir o espaço à posse de bola. Sendo competente apenas nos momentos em que pode utilizar o espaço, é uma equipa competente num número reduzidíssimo de ocasiões, durante um jogo. Isto faz com que a equipa tenha de ser obrigatoriamente muito eficaz, faz com que tenha de aproveitar ao máximo os poucos momentos em que puder activar as suas transições e aproveitar o espaço. Se não o for, fica sempre mais próxima de falhar. A diferença, está bem de ver, é que uma equipa que prefira a posse de bola pode inventar as suas próprias ocasiões, pode sempre aumentar as condições de êxito e depende sempre menos da eficácia que tiver na finalização das jogadas. É por isso que a opção pela posse de bola é sempre uma estratégia mais eficaz que a preferência pelo espaço.

Não significa isto que não haja momentos específicos, num jogo, em que seja útil baixar o bloco e, abdicando da posse de bola, procurar sobretudo aproveitar os espaços concedidos por quem ataca. Poderá ser útil, por exemplo, nos minutos finais do primeiro tempo, para que a equipa não se desorganize nem se desgaste desnecessariamente; ou poderá ser útil imediatamente a seguir a um golo, para impedir a reacção imediata do adversário. Isto é, porém, muito diferente de adoptar esta estratégia durante 90 minutos. Optar por este tipo de jogo a tempo inteiro significa abdicar da iniciativa, significa deixar a faca e o queijo do lado do adversário. Pode traduzir-se numa estratégia eficaz essencialmente quando se marca primeiro e o adversário tem obrigatoriamente de atacar. Mas que tipo de competência, em termos colectivos, tem uma equipa deste tipo para virar resultados? Não tem. Ou essa competência é directamente proporcional à competência individual dos seus atacantes, sobre quem recai a responsabilidade de fazer o que a equipa, em conjunto, não consegue fazer. Saber aproveitar o espaço é uma arma muito importante em futebol. Mas uma equipa cuja única arma seja essa é sempre uma equipa mediana que, sem atletas capazes de decidir partidas sozinhos, pouco ou nada é capaz de conquistar. Se nos recordarmos, esta estratégia resultou na segunda mão frente ao Chelsea porque o Inter teve a sorte de partir em vantagem; resultou na segunda mão frente ao Barcelona porque o Inter conseguiu, sem saber bem como, partir com uma vantagem de dois golos para esse jogo; resultou frente ao Bayern porque defensivamente a equipa de Van Gaal esteve incrivelmente mal; e resultou sobretudo porque havia Milito, Eto'o e Sneijder. Isto é, a estratégia de que tanto se fala e que tantas lições deu, segundo alguns doutores, é uma estratégia que não depende de si própria, mas dos seus executantes, dos erros e da inépcia dos adversários e da sorte. E com bons executantes, com os erros dos adversários e com a sorte qualquer incompetente pode contar. Esperava-se que a distinção entre um dos melhores treinadores do mundo e um simples agricultor se traduzisse de um modo mais categórico. É evidente que Mourinho não é só isto e que, dentro deste tipo de estratégia, é extremamente competente, como poucos. Mas isso não chega. E não chega essencialmente porque é muito mais fácil pôr uma equipa a jogar deste modo, fazendo-a depender destas coisas, como já várias pessoas o tinham feito com sucesso, do que arranjar um modelo com menos vícios, que dependa menos de factores externos.

Eu, que sou exigente e que conheço o trabalho de Mourinho e aquilo de que é capaz, acho que esta vitória não é tão fantástica quanto apregoam. E isto sobretudo porque acho que, sendo dos poucos treinadores do mundo que teria condições para revolucionar o jogo, Mourinho optou pelo caminho mais fácil. Venceu, sim. Mas venceu como Alex Ferguson já venceu, como Rafa Benitez já venceu, como Carlo Ancelotti já venceu. Venceu como outros tantos já venceram. Não venceu categoricamente, como o Barcelona o ano passado, por exemplo; não venceu impondo coisas novas, impondo a sua competência sobre a dos outros. Venceu, como tantos já venceram, e apenas porque há que haver sempre um vencedor, todos os anos. E, como tantos outros que venceram assim, tão depressa vencem e são agraciados pela opinião pública como perdem e caem rapidamente no esquecimento. É por isso que negligenciar a posse de bola e preferir o espaço é uma estratégia condenada logo de partida. Pode conduzir a vitórias, efectivamente, mas nunca trará regularidade; depende de demasiadas circunstâncias para que se possa impor por si própria. É também por isso que defendo que a posse de bola, em futebol, é tudo: é o princípio vital de qualquer equipa que queira não só ganhar tudo, mas ser grande e sempre grande. Quando não se tem espaço, a posse de bola inventa-o. Quando não se tem a posse de bola, não há espaço que a invente e resta-nos tão-somente o próprio espaço. É este o corolário final da minha análise à vitória de Mourinho, uma vitória que muitos aplaudem boquiabertos, mas que não merece, em boa verdade, toda a histeria que a tem envolvido. O próprio Mourinho já fez coisas bem mais impressionantes e merecedoras de registo; o que fez este ano com o Inter não tem nada de extraordinário e roça até a simples banalidade.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Os Melhores de 2009/2010

Eis os melhores, a meu ver, desta Liga, em 442 losango:

Guarda-Redes: Bracalli
Defesa Direito: Fucile
Defesa Esquerdo: Emídio Rafael
Defesas Centrais: Luisão e Daniel Carriço
Médio Defensivo: Javi Garcia
Médios Interiores: Belluschi e Hugo Viana
Médio Ofensivo: Pablo Aimar
Avançados: Saviola e Falcao

Treinador: André Villas Boas

Suplentes:

Guarda-Redes: Quim
Defesa Direito: Rúben Amorim
Defesa Esquerdo: Fábio Coentrão
Defesas Centrais: Bruno Alves e Rodriguez
Médio Defensivo: Fernando
Médios Interiores: Miguel Veloso e Desmarets
Médio Ofensivo: Nuno Assis
Avançados: Cardozo e Mossoró

Treinador: Jorge Jesus

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ibrahimovic

Foi publicado a semana passada, na Academia de Talentos, um artigo infame no qual se defendia que Ibrahimovic era um flop europeu. A infâmia do artigo está não só na forma absurdamente exagerada em que são postos os termos e nas coisas que são consideradas, mas também e sobretudo nos argumentos utilizados. As razões que presidiram a tal teoria foram, uma vez mais, os golos que o sueco faz (ou não faz). Dizer que o sueco faz poucos golos na Europa, que se mexe pouco e que, considerando o derradeiro teste o jogo atípico em Camp Nou frente ao Inter, o Barcelona só começou a criar perigo quando ele saiu é não perceber nada de Ibrahimovic nem de pontas-de-lança e é também mentir com quantos dentes se tem. Poderia lembrar o remate de Pedro ao lado ou o remate de Messi para excelente defesa de Júlio César, pois a movimentação de Ibrahimovic está na origem dos mesmos. Poderia lembrar a assistência de calcanhar para Messi, que o deixa na cara de Júlio César antes de Lúcio conseguir, à última, o corte. Poderia também lembrar a assistência de cabeça para Xavi, que fica igualmente em zona de finalização e que só não consegue o remate porque, uma vez mais, alguém corta "in extremis". Podia também lembrar o penalty que sofreu e que não foi assinalado. Tudo isto demonstra que Ibrahimovic não esteve propriamente apagado nesse desafio. O que é, no entanto, grave e que, provavelmente, tem origem na mesma cegueira em que se viu um jogo diferente do verdadeiro, é que se meça o valor do jogador, ou o valor de qualquer ponta-de-lança, pelos golos que marca. Ibrahimovic só é, por isso, um flop europeu para os que não sabem o que é um ponta-de-lança. Esses, como muitos outros, deveriam estar calados na hora de falar sobre coisas das quais não percebem.

Posto isto, gostaria de referir que a minha opinião acerca de Ibrahimovic não mudou nada em relação ao início da época e que discordo inteiramente das críticas que têm sido feitas ao seu desempenho esta temporada. As pessoas que o fazem têm certamente memória curta e não consideram todos os dados. Dizem que marcou poucos golos, mas ignoram, além de que um avançado não se dever medir somente pelos golos que faz, que Ibrahimovic nunca foi um goleador nato, que fez tantos golos como é normal fazer (à excepção da época passada, em que Mourinho trabalhou a equipa especificamente para servir o sueco) e que não foi certamente por essa razão que Guardiola o contratou. Dizem também que esteve particularmente apagado em jogos decisivos e que não se adaptou ao Barcelona, mas ignoram certamente o excelente arranque de temporada, a excelente capacidade que denotou para se adaptar a um estilo de jogo totalmente diferente e as lesões que teve durante a época e que o privaram do melhor dos ritmos competitivos. Dizem ainda, finalmente, que o Barcelona ficou a perder com a troca do sueco por Samuel Eto'o, pois é evidente que não só a equipa não conquistou o que tinha conquistado a época passada como o sueco não ajudou, com golos, tanto como o camaronês, mas ignoram que a presença de Ibrahimovic é indissociável do extraordinário pecúlio de golos de Messi e que, em comparação com o desempenho colectivo do ano anterior, a ausência de Iniesta na fase decisiva da temporada é muito mais significativa do que a troca de avançados entre o Barcelona e o Inter.

As pessoas dizem estas parvoíces principalmente porque não sabem o que é um avançado. Pensam que serve para fazer golos e acham que a qualidade se mede desse modo. Pois estão enganadas. Ibrahimovic é a prova. Embora não tenha alcançado um número de golos extraordinário, aquilo que ofereceu à equipa, em termos de apoio ofensivo, é mais do que suficiente. Foi, aliás, para isso e não para fazer golos que Guardiola o foi buscar. Foi por causa da sua capacidade para segurar a bola e para tabelar, para servir de apoio vertical, que Guardiola o contratou. Ibrahimovic não é um ponta-de-lança vertical, isto é, que se evidencie pelos movimentos de aproximação à baliza, que jogue no limite do fora-de-jogo e espere passes de ruptura, que se movimente na direcção da baliza quando a equipa se aproxima das zonas de último passe. É o oposto. É um avançado para colaborar na construção ofensiva no último terço do terreno, que prefere movimentos de aproximação ao portador da bola, funcionando como apoio, e que serve para desbloquear zonas de pressão. Se o faz - e fá-lo muitíssimo bem - não pode depois estar tantas vezes na área, à espera do momento exacto para atacar as zonas de finalização. As pessoas que criticam o seu desempenho em termos de golos não percebem que esse desempenho é relativamente baixo porque Ibrahimovic está concentrado em coisas mais importantes. No modelo do Barcelona, o avançado, se fizer bem o que tem de fazer, tem menos oportunidades para concretizar que os extremos, que são quem mais aproveita, em termos de golos, o trabalho do avançado. Foi por isso que, esta época, Messi fez tantos golos. Com Ibrahimovic, e não com Eto'o, o Barcelona criou mais situações de finalização para os extremos do que para o avançado, sendo assim menos previsível do que era o ano passado.

Destruído que está o argumento pateta dos golos marcados e compreendidas que ficaram agora as vantagens de ter Ibrahimovic ou, de um modo geral, um ponta-de-lança que se preocupe com mais do que com fazer golos, é talvez possível perceber por que razão discordo da teoria de que Ibrahimovic teve uma má época. O sueco fez uma temporada muito boa, dentro das expectativas que se deviam ter, temporada essa que só não foi melhor porque passou maior parte da segunda volta lesionado ou a recuperar de lesão, sem o ritmo competitivo desejado, e permitiu ao Barcelona melhorar, em relação à época passada, no que diz respeito à construção ofensiva no último terço do terreno. É por isso que continuo a dizer, ainda que se levantem vozes críticas que não sabem do que falam, que Ibrahimovic é o melhor ponta-de-lança do mundo. Não é, nem nunca foi, um exímio goleador, mas isso não significa nada. É aquele que melhor compreende as exigências colectivas da sua posição e aquele que melhor contribui para um jogo de posse e circulação de bola constantes, coisa que qualquer equipa grande que se preze deve privilegiar. Wayne Rooney, Fernando Torres, Didier Drogba, Dimitar Berbatov, David Villa e Diego Milito são talvez os senhores que se seguem, mas nenhum deles tem estas competências tão apuradas quanto o sueco. Vou até mais longe. Não me recordo sequer de um avançado, em toda a História do Futebol, tão forte como Ibrahimovic para este tipo de jogo, isto é, um avançado que se iguale ao sueco na capacidade que empresta à equipa enquanto apoio vertical. É por isso que é, para mim, o melhor do mundo no seu posto e que o escolheria, pelas características que acho que um avançado deve ter, se tivesse de escolher um onze ideal de sempre.

Acerca da influência de Ibrahimovic no modelo de Guardiola, e para se perceber melhor aquilo que era esperado dele, tenho a corroborar a minha opinião a de Johan Cruyff, que dizia assim, a 7 de Setembro de 2009:

"Con Ibrahimovic, las variantes con las que trabajar se multiplican. Por técnica, puede salir a recibir y tocar en corto; por físico, puede pelear en largo; por estatura, debería de verse incrementada la cifra de centros en jugada. Por físico, técnica y estatura, su sola presencia fija la marca de uno o incluso dos marcadores. En los córneres, este efecto imán libera a otro compañero. Lo comprobamos el otro día ante el Sporting. Los defensores estaban tan atentos, tan temerosos del juego de cabeza del sueco, que Keita se puso las botas. En función de cómo se mueva y de dónde arrastre a su marcador o marcadores, en función de dónde recibe, de cómo la suelte, de si encara o no, aparecerán más o menos espacios para sus socios en ataque. [...] La cuestión no estriba en si Ibrahimovic marcará más o menos goles que Etoo porque estamos ante futbolistas distintos. Tuvo mala suerte al llegar lesionado en una mano. Un problema menor. La forma física la cogerá muy pronto. La cuestión estriba en cómo recortar los plazos de adaptación. Y ahí todos han de multiplicar esfuerzos, no solo el recién llegado. Para lo que para muchos ahora es un problema, que no está sincronizado con el equipo, para mi es excitante. El tipo es tan distinto a Etoo que, en cierto modo, toca empezar casi de cero. Y así, todos atentos. Máxima atención. Tras ganarlo todo, es lo que quería Guardiola."

Para Cruyff, Ibrahimovic é nitidamente uma mais-valia sem bola e possibilita aos colegas mais espaço e mais facilidades. Além disso, não está em causa o marcar mais ou menos golos que Eto'o, mas sim o impacto colectivo que um e outro têm. Ibrahimovic permitiu ao Barcelona, enquanto equipa, uma variedade maior de soluções, mas permitiu também aumentar a sua imprevisibilidade e manter a motivação e a concentração competitiva, uma vez que toda a equipa se teve de adaptar às diferentes rotinas que, com Ibrahimovic no onze, passaram a ser exigidas. Sobre a mudança de Eto'o por Ibrahimovic, a necessidade dessa mudança e o impacto que essa mudança teve no colectivo, Cruyff diz ainda isto, desta feita a 5 de Outubro de 2009, noutro artigo:

"De entrada, y a diferencia de hace tres años, tras la Champions de París, alguien se dio cuenta de que se tenía que hacer algo, algo importante, algo chocante, para romper de una forma u otra lo que se veía, por muy bueno que fuera. Me pongo en la piel de Guardiola y miro a mis mejores efectivos: Messi, Xavi, Iniesta, Etoo... ¿A cuál elijo para dar ese golpe a la plantilla? ¿A cuál doy salida y a quién doy entrada? Sé lo que quiero provocar: que no decaigan las virtudes exhibidas y que aparezca un nuevo reto con el que trabajar. Y lo quiero con el cambio de un solo jugador. Un futbolista que, por calidades distintas, implique la máxima atención del resto que le rodea. Xavi e Iniesta te dan el sello Barça. Messi es distinto a todos. Por tanto, la decisión estaba clara. Además, un detalle: Etoo era el único que acababa contrato. Y siendo el 9, los movimientos de tu jugador referencia siempre condicionan al resto. Un solo cambio, pero certero."

Em resumo, o Barcelona melhorou com Ibrahimovic. Além de ter permanecido uma equipa competitiva, tendo a chegada do sueco servido para que todo o conjunto mantivesse a concentração táctica necessária para se adaptar a um novo jogador e a novas maneiras de jogar, a equipa de Guardiola conseguiu evoluir precisamente naquilo em que já era fortíssima e naquilo que se julgaria, por essa mesma razão, mais difícil e desnecessário de evoluir: a construção ofensiva. Com isso, tornou-se uma equipa ainda mais temível em posse, menos dependente das individualidades, com mais soluções para furar blocos baixos. Há quem ache que a meia-final de Camp Nou foi um tremendo fracasso. Do meu ponto de vista, há algo importante a reter desse desafio. Comparando-o com o do ano anterior em Londres, no qual o Barcelona jogou em circunstâncias idênticas, contra um adversário ao qual só interessou defender, o jogo deste ano revelou um Barcelona mais capaz, um Barcelona que conseguiu criar várias oportunidades de perigo ao longo dos 90 minutos. Não o conseguiu variando o seu tipo de jogo, mas sempre no seu estilo, o que revela que o estilo se afinou, que tem mais qualidade. Mesmo sem Iniesta, que empresta a este tipo de jogo soluções evidentes, o Barcelona foi mais competente do que havia sido contra o Chelsea. Ainda que não tenha sido suficiente, isso é um bom sinal. E tem muito a ver com a evolução que a equipa teve ao longo desta época e que muito se relaciona com a chegada de Ibrahimovic. O sueco é isto tudo. E é por isto tudo que não tem quem se assemelhe a ele.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Certezas (18)

Apareceu este ano a jogar regularmente, desde o início da época, sendo aposta incondicional do seu treinador, ao contrário de certos jogadores consagrados, que tiveram de penar bastante. Enquanto Luca Toni, Miroslav Klose, Bastian Schweinsteiger e Franck Ribéry, sobretudo, tiveram dificuldades em agradar a Louis Van Gaal, este jovem foi uma aposta firme, primeiro numa das alas e depois no centro do terreno, como médio de ataque que ligava o meio-campo ao ataque no 4231 do holandês. É verdade que Van Gaal é dado a caprichos, mas não será menos verdade que de alguma maneira este miúdo o terá impressionado desde muito cedo. Em mim, desde o primeiro momento em que o vi jogar, fez-me sentir uma natural empatia. A sua inteligência e a sua maturidade, raríssimas num jogador com a sua idade, sobretudo atendendo aos excelentes atributos técnicos de que é dotado, foram as coisas que mais me prenderam a atenção. Achei-o, desde logo, extraordinariamente criativo, capaz de inventar soluções de passe com facilidade, um jogador que, embora muito bom a nível técnico, raramente optava por partir para cima dos seus opositores, que procurava apoios próximos, etc. Com a diferença óbvia no tamanho, pareceu-me um jogador extraordinariamente semelhante a Bruno Pereirinha, quer pelo próprio estilo, quer essencialmente pela forma de pensar e perceber o jogo. Na altura, jogava como extremo mas, tal como sempre vaticinei em relação ao jovem leão, era no meio, como médio de ataque, que me parecia que o seu potencial melhor podia ser explorado. A sua simplicidade, aliada às facilidades técnicas que possuía, permitia, a meu ver, que pudesse jogar metido entre as linhas adversárias, conferindo ao futebol da sua equipa uma solução vertical constante. Van Gaal, creio, percebeu isso mesmo. E estou em crer ainda que o futebol do Bayern se revolucionou para melhor desde que este jovem alemão passou a jogar como médio-ofensivo, jogando nas costas do ponta-de-lança e sempre como apoio vertical ao médio portador da bola. Tem ainda, para além desta influência clara, a capacidade para, aproximando-se das linhas, servir de apoio lateral quando o jogo é conduzido pelas faixas, criando situações de superioridade numérica nessas zonas do terreno. É, no fundo, no modelo de Van Gaal, o jogador responsável pela formação de triângulos nas zonas com maior densidade de adversários e, por isso, o jogador mais importante da equipa no momento da construção ofensiva e a peça mais difícil de substituir no onze do holandês. O futebol do Bayern melhorou significativamente na segunda metade da temporada, consolidando-se. Melhorou sobretudo ao nível da construção ofensiva, sendo agora uma equipa muito personalizada. A principal razão, penso, para que isso tenha acontecido, foi precisamente a aposta neste jogador nesta posição. Numa altura decisiva da época, depois de ter sido pré-convocado para a selecção alemã para o mundial da África do Sul, de ter ajudado o Bayern a sagrar-se campeão e dias antes da primeira de duas finais importantíssimas para o seu clube, não queria deixar de reconhecer o extraordinário valor de Thomas Müller.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Emídio Rafael e Maxwell

Comecemos com a rudeza e a brutidão de todas as certezas: Emídio Rafael é o melhor lateral esquerdo desta Liga Sagres. Quanto às razões para tal afirmação, já lá irei. Confesso primeiro que não o conhecia antes desta temporada, mas confesso igualmente que só a muito custo percebo o anonimato a que foi votado nos últimos anos. Foi campeão de júniores com Paulo Bento e nunca foi aposta deste, na equipa principal, porquê? Se a lateral esquerda foi sempre um problema com que se debateu Paulo Bento, se se deu tanto dinheiro por Grimi e se deu hipóteses a um jogador como André Marques, por que raio nunca foi dada uma hipótese a Emídio Rafael? A única explicação que encontro prende-se com as características físicas do atleta. Aliás, é essa a mesma explicação que encontro para que André Nogueira, um lateral direito de grande qualidade que apareceu no plantel de júniores no ano imediatamente a seguir, tenha desaparecido do mapa. E essa explicação tornaria também claro por que razão Emídio Rafael nunca foi opção e André Marques sim. Afinal, trata-se de um jogador com uma envergadura invejável, enquanto Emídio Rafael é magro e baixo.

Esta preocupação com o tamanho é algo que me causa alguma repulsa. Não é nada de novo, claro, mas parece-me uma teimosia que demora a ser erradicada do futebol. Aliás, numa altura em que já se devia ter percebido a pouca importância que os factores físicos têm num jogador de futebol, com o Barcelona de Guardiola a estender o dedo do meio a todos os imbecis que pensam o contrário, parece que continua a haver uma tendência incrível para se dar atenção a factores secundários como esses. Nos escalões de formação, continuam a ser dispensados atletas talentosos porque os testes do pulso revelam que não vão ser altos; continuam a ser avaliados atletas pelo tamanho dos pais; continuam a ser contratados africanos poderosos fisicamente para colmatarem a baixa estatura dos atletas portugueses. E se isto é assim na formação, cuja principal obrigação deveria ser promover os mais talentosos e não os mais cabeçudos, nos principais escalões as coisas continuam muito primitivas. De tal modo que, depois, se deixam escapar talentos como o de Emídio Rafael.

Quem o vê jogar com olhos de ver, percebe imediatamente que não se trata de um lateral vulgar. É inteligente, tem um pé esquerdo formidável, posiciona-se invariavelmente bem, lê quase sempre bem os lances e permite à equipa uma qualidade incomparável com bola. Não é tão forte no um para um defensivo quanto poderia ser, mas compensa isso com uma boa leitura dos lances e, sobretudo, com um posicionamento defensivo acima de toda a suspeita. A forma como defende por dentro não tem quase paralelo em Portugal. Mas é a atacar que mais se destaca. Não só porque está incumbido das bolas paradas para o pé esquerdo, mas sobretudo pelo que faz em jogo corrido. Muitos acham que um lateral que ataca bem é um lateral possante, ao estilo de Roberto Carlos, que faz o corredor todo, que é veloz e forte no drible. Emídio Rafael não é nada disto. Não é possante, não é explosivo e raramente dribla. Cruza extraordinariamente bem, mas isso é apenas um pormenor. Aquilo em que é, de facto, muito bom, é nas opções com bola, é na forma como encontra soluções por dentro, permitindo à equipa permanecer com a posse de bola. Raramente estica o passe ao longo do corredor, raramente joga comprido ou tenta virar o flanco de jogo. As suas opções são jogar perto, com o apoio mais próximo, vindo para dentro. Um lateral, numa equipa que queira assumir a iniciativa do jogo através da posse de bola, deve ter como principal característica o jogar para dentro, curto. É por essa característica, tão pouco usual num lateral, que o comparo ao lateral brasileiro do Barcelona, Maxwell.

Como Emídio Rafael, Maxwell não é um jogador com uma envergadura extraordinária. Não é pelos atributos físicos que se destaca. Com bola, porém, permite coisas ao Barcelona que Abidal, por exemplo, não permite. A facilidade que tem em jogar de primeira, curto, para dentro, é notável. Isto permite ao Barcelona ir ao flanco e vir rapidamente, estraçalhando a basculação do adversário; permite ao Barcelona sair de zonas de pressão difíceis e trocar a bola rapidamente. Com Maxwell, o Barcelona não é tão vertical a atacar e não tão agressivo a defender. Mas é posicionalmente mais estável e mais imprevisível com bola; é mais dinâmico a trocar o esférico e mais paciente; mais eficaz em tabelas curtas e mais temível a atacar pelos espaços centrais. Para mim, para quem um lateral, ofensivamente, deve valer essencialmente por esta característica tão pouco usual, Maxwell é melhor que Abidal e um dos melhores laterais do mundo. O seu futebol, enquadrado num colectivo que o valorize, como é o caso do Barcelona, é sempre mais interessante que aquele que qualquer lateral que valha pela capacidade de fazer o flanco todo com rigor e pela intensidade que põe em jogo é capaz de oferecer.

Voltando agora a Emídio Rafael e à afirmação inicial de que era o melhor lateral desta liga. Acho que havia um jogador, no início da temporada, que se poderia ter imposto precisamente por coisas semelhantes e que, caso tivesse sido aposta, talvez rivalizasse agora com o jogador da Académica. Falo de Shaffer. Como o referimos aqui atempadamente, o argentino possuía qualidades invulgares a este nível e, caso melhorasse sobretudo em termos posicionais, seria facilmente o melhor lateral a jogar em Portugal. Jorge Jesus nunca confiou nele, acredito que por nunca o jogador lhe ter merecido a confiança no que diz respeito a aspectos defensivos. É, contudo, pouco interessante analisar aqui as razões pelas quais Shaffer acabou por não vingar, embora me pareça que foi um dos maiores erros da campanha de Jesus. O que é facto é que, sem Shaffer, não há outro lateral esquerdo em Portugal, além de Emídio Rafael, que valorize as coisas que ele valorizava. A capacidade que possui para participar na posse de bola da sua equipa e a qualidade que empresta nesse sentido, com opções invariavelmente correctas, fazem dele o único lateral esquerdo que não se impõe pela agressividade ou pela velocidade que dá ao flanco. Poderíamos referir Álvaro Pereira, Evaldo, Alonso ou Fábio Coentrão. São, todos eles, jogadores muito parecidos: agressivos a defender, rápidos a partir para o ataque, bons individualmente e competentes a fazer a linha. Nenhum deles, porém, valoriza a opção interior como Emídio Rafael. A prioridade do defesa academista não é jogar ao longo da linha, solicitando o extremo ou lançando em profundidade nas costas dos defesas. Essa é a prioridade de um lateral que tem medo de ser apanhado em contrapé, se o passe sair mal. Emídio Rafael dá preferência ao meio, ao apoio lateral e não ao apoio vertical, sobretudo porque percebe que, numa equipa que pretende preservar a posse de bola, uma bola que chega à linha deve voltar ao meio, por ser essa a forma mais eficaz de fugir ao pressing e de evitar o constrangimento do décimo segundo defesa do adversário, a linha lateral. Ao perceber isto, o seu futebol torna-se invulgar. E é tão invulgar que não tem par neste campeonato.

sábado, 8 de maio de 2010

Villas Boas: Toda a Verdade

No dia 6 de Novembro de 2009, Paulo Bento, após uma série de maus resultados, demite-se desencadeando um chorrilho (magnífica palavra, bem sei) de acontecimentos que culminaram com a contratação de Paulo Sérgio. Muito se escreveu, e aconteceu, entre a mudança de v(B)entos (que trocadilho fantástico, por esta ninguém esperava!!); coisas boas, como… bem… coisas, e outras menos boas: Carvalhal, Costinha, Carvalhal, João Pereira, Carvalhal, etc. O que ninguém sabe é que a razão de ser para todos estes e outros acontecimentos converge num único elemento. Este é o verdadeiro relato do que aconteceu nas semanas que se seguiram à demissão de Paulo Bento.

No dia 12 de Novembro, o Sporting comunica à CMVM a entrada de Ricardo Sá pinto como director desportivo, sendo que este pega de imediato no dossier do novo treinador. Villas Boas é o treinador que elege. Ao contrário do que é dito e escrito, a sua contratação não cai por falta de acordo de verbas, nomeadamente aquilo que o Sporting Clube de Portugal estaria disposto a pagar para a Académica libertar Villas Boas. O acordo entre os clubes existe, e é uma exigência de última hora, por parte de Villas Boas, que motiva o recuo de Bettencourt: Villas Boas compromete-se a vencer o título ainda em 2009/2010, desde que uma figura proeminente do universo leonino saia de Alvalade: Liedson. A reacção de Bettencourt é inflexível: abandona de imediato a reunião, dizendo que André VilLas Boas é louco, proferindo expressões como "herege", "blasfémia", "Perdoai-o Senhor pois ele é apenas uma criança que não sabe o que diz", etc. Incrédulo, Villas Boas assiste à partida de Bettencourt e de Salema Garção, este último hesitante entre acompanhar o seu presidente de imediato ou ligar para os seus contactos jornalísticos a descrever os mais recentes contornos da reunião entre Villas Boas e o "staff" leonino. No fim deste espectáculo, ficam apenas Sá pinto e Villas Boas, com o último a proferir apenas uma frase:

- Tu vais-me dar uma pêra, não vais?

Dito isto, o director desportivo dirige-se a Villas Boas, enquanto o jovem técnico, desesperado, procura algo com que se defender, pegando por fim numa garrafa de água, meio vazia e sem tampa.

- Tu conseguias mesmo fazer do Sporting campeão? – perguntou-lhe Sá Pinto enquanto lhe esticava a mão, cumprimentando-o.

No dia 14 de Novembro, Sá Pinto conta a alguns jogadores, entre eles Hélder Postiga e Simon Vukcevic, os verdadeiros motivos que levaram a que Villas Boas permanecesse em Coimbra. Mais tarde, Postiga faz uma pequena confidência a Vukcevic, depois do montenegrino corrigir um e-mail que Pedro Silva queria enviar a uma brasileira que conhecera num restaurante de rodízio:

- Enquanto o Liedson permanecer no Sporting, eu não volto a fazer golos.

Esta ideia terá então iluminado Vukcevic, que pensou:

- Epah, e eu, enquanto ele estiver em Alvalade, não volto a jogar bem!

Entretanto, chega Izmailov e pergunta, em russo, o que é que se passa, ao que o número dez leonino responde que lhe explicaria do que se tratava assim que o camisola 7 conseguisse terminar os exercícios de gramática que lhe pedira para fazer. Cabisbaixo, Izmailov pegou no caderno contendo os exercícios que o seu amigo lhe havia preparado e deitou mãos à obra. Entretanto, as exibições do Sporting melhorar ligeiramente, precisamente no período em que o 31 se encontrava lesionado, levando Sá Pinto a pensar que, se calhar, Villas Boas até tinha razão. Esta iluminação, associada à qualidade evidenciada pela equipa de Coimbra, mostrou a Sá Pinto o erro que o presidente do Sporting havia cometido. Decidido, dirigiu-se a Bettencourt para tentar convencer o líder leonino a reconsiderar e a contratar Villas Boas para as próximas temporadas. Bettencourt, todavia, tinha outros planos. No dia anterior tivera uma conversa com Carvalhal e o técnico havia explicado que tinha grandiosos planos para o ano que se seguia, sendo que todos eles assentavam em redor de Liedson.

Desesperado, Sá Pinto tentou demover o seu presidente, mas sem sucesso. No dia da fatídica eliminatória para a Taça de Portugal frente ao Mafra, após nova tentativa frustrada de demover Bettencourt de manter Carvalhal para a época seguinte, Sá Pinto assistiu ao jogo junto do banco, visivelmente enervado com o diálogo entre Carvalhal e Liedson, com o técnico português a perguntar e a pedir a opinião ao Levezinho não só sobre aspectos do jogo como também sobre se o baiano era conhecedor de algumas mezinhas que o ajudassem a combater a calvície. A atitude desrespeitosa de Liedson para com Sá Pinto no final do jogo foi apenas a gota de água que fez transbordar o copo.

A saída de Sá Pinto deixou em aberto a vaga de director desportivo, que foi assumida temporariamente por Salema Garção. Os poucos dias foram, contudo, suficientes para que Salema Garção pudesse tomar conhecimento do pequeno “pacto” que Postiga e Vukcevic haviam feito,” pacto” esse de que Izmailov, agora que já estava perto de concluir os exercícios de gramática que Vukcevic havia proposto ao russo, queria fazer parte. Entretanto, horas antes do jogo com o Braga para o campeonato, Pereirinha perde uma aposta com Moutinho e é obrigado a enviar uma mensagem a Carvalhal, fazendo-se passar por Bettencourt, dizendo o seguinte:

"Mister Carvalhal, aconteça o que acontecer, contamos consigo para a próxima época. Ass: JEB."

O que Pereirinha não poderia prever era que não só o jogo com o Braga correria mal como a equipa sofreria a quantidade de derrotas que sofreu de seguida, o que levou a que Bettencourt, certo dia, na sauna, soltasse uma lamentação a respeito do trabalho de Carvalhal:

- Mister Carvalhal, isto assim não dá. Começo a ficar com dúvidas acerca da renovação...

- Mas você disse que, acontecesse o que acontecesse, contava comigo.

- Eu??!! Está louco, homem? Uma coisa é estar convencido que o Sporting está a jogar melhor e que você algum dia será campeão com alguma equipa, outra bem diferente é pôr-se a imaginar coisas que eu disse.

Carvalhal, envergonhado e desconfiando que fora enganado por alguém que se fizera passar por Bettencourt, desabafa com Liedson, que lhe diz que sabia que não fora Bettencourt a enviar a mensagem, mas um jogador do plantel. Carvalhal exerce pressão sobre Liedson para que este revele o que sabe, mas Liedson admite apenas confidenciar tal informação caso Carvalhal começasse a encostar Saleiro, pois este andava a fazer alguns golos e isso poderia fazer crer às pessoas que o Sporting não precisava de Liedson. Carvalhal promete a Liedson pensar no assunto e o Levezinho indica o nome de Pereirinha. Na semana seguinte, em jantar com Carlos Queiroz, Carvalhal conta o sucedido, ao que Queiroz sugere:

- Pá, esses putos só estão bem é a fazer porcaria. Castiga-o, pá.

- Pois, pensei nisso. Mas o chavalo tem entrado bem. É quase sempre dos melhores quando o ponho a jogar. - respondeu Carvalhal, hesitando em tomar medidas tão drásticas.

- Pá, o gajo também se pôs com aquela coisa dos penálties na selecção e mandei-o logo para casa. - continuou Queiroz. - Vê lá se voltou a marcar penálties. Eles precisam é de correctivos. Nunca mais o ponhas até ao fim da época, a ver se aprende! Nem que utilizes o Pedro Silva. Eles têm de perceber quem é que manda.

Com medo de que Carlos Queiroz nunca mais lhe falasse, Carvalhal decide então obedecer e Pereirinha não volta a calçar, a não ser muito esporadicamente, até ao duplo desafio com o Atlético de Madrid, lançando-o então às feras para tentar queimá-lo e assim justificar a sua opção. Acontece que Pereirinha acabou por jogar enormidades e Carvalhal teve de fundamentar a sua opção por deixar o 25 sistematicamente de fora alegando que o jovem não gostava de espinafres, razão pela qual continuou a deixá-lo sistematicamente de fora após esses desafios.

No dia anterior ao decisivo jogo da segunda mão contra os espanhóis, quando Izmailov finalmente termina os exercícios de gramática, Postiga e Vukcevic explicam ao russo os contornos do acordo firmado ainda em 2009. Izmailov, sabendo ainda que fora Liedson quem confessara a Carvalhal que fora Pereirinha quem enviara a dita mensagem, decide ser ainda mais assertivo na sua tomada de decisão: ou Liedson ficava no banco frente ao clube de Madrid, ou ele abandonava de imediato o Sporting. O português do russo, no entanto, ainda não era muito fluente, o que leva Carvalhal a procurar Costinha para que este lhe explique as razões pelas quais o jogador não queria defrontar o Atlético de Madrid. O problema é que Costinha fala tão bem russo como Pedro Silva fala português. Resultado: Costinha entende que Izmailov só continuaria no Sporting se Carvalhal saísse, não tolera a audácia do russo e manda-o embora do estágio, comunicando que ele alegava que não se encontrava psicologicamente apto para jogar e apenas contando a Bettencourt a verdade. Este facto resultou no comunicado posterior da Sporting Sad à CMVM, divulgando que Carvalhal não continuaria na próxima época.

Livre de Carvalhal, Bettencourt volta a abordar Villas Boas e, apesar da intransigência do jovem técnico, o presidente do Sporting parece disposto a ceder, entrando em contacto com alguns clubes brasileiros e vários supermercados para efectivar a transferência de Liedson. Costinha, no entanto, traz para o negócio o seu desagrado e confronta Villas Boas:

- És capaz de explicar como é que conseguirias ser campeão sem o Liedson?

Villas Boas nota alguma resistência e finca o pé, dizendo a Costinha que tinha de confiar nele. Costinha diz-lhe que ele tinha perdido quase todos os últimos jogos e que, portanto, não tinha propriamente muita confiança no se trabalho. Sem chegarem a entendimento, Costinha decide abortar as negociações, imaginando que o técnico da Académica era um bluff e salvando assim o Sporting da ameaça do bicho-papão que queria livrar-se do seu mais-que-tudo.

por Gonçalo