domingo, 27 de dezembro de 2015

O Retrato da Liga Inglesa num só Lance

Há imagens que valem por mil palavras. A Liga Inglesa é, pelo investimento que hoje envolve, a liga com mais potencial no mundo. Não obstante, o futebol praticado continua a ser, em larga medida, deplorável. A minha teoria - há muito que a defendo - é a de que a mentalidade desportiva não tem permitido que o jogo evolua. Apesar de a quantidade de grandes jogadores continuar a aumentar, apesar do investimento estrangeiro ser cada vez mais comum, e apesar de, finalmente, começarem a ser contratados treinadores estrangeiros não apenas para as principais equipas, o futebol inglês continua amarrado a um conceito de desporto que, no limite, é contraproducente. A predilecção pela velocidade ou pelo músculo em detrimento do cérebro, pelas qualidades atléticas dos jogadores e não pelas suas qualidades intelectuais, a insistência absurda em defender que o futebol é um jogo de contacto, cuja principal consequência é um modelo de arbitragem que, grosso modo, beneficia os toscos e prejudica os artistas, e, sobretudo, a cegueira a que a generalidade dos intervenientes são conduzidos pela emoção desmesurada com que o jogo é encarado continua a dificultar a evolução do futebol britânico.

É possível apresentar um bom retrato do que acabo de dizer. Num dos últimos lances do encontro que opôs o Liverpool de Klopp ao sensacional líder do campeonato, o Leicester City de Ranieri, a equipa visitante procura chegar ao empate, e Kasper Schmeichel sobe para a grande área. A bola acaba por ser sacudida pela defensiva do Liverpool e sobra para Kanté, penúltimo defensor do Leicester, que se prepara para a reenviar para a área. Tudo o que acontece de seguida é o espelho de um campeonato da idade da pedra. Embora absurdo, não me interessa muito nem a falta claríssima sobre o jogador do Leicester (um dos muitíssimos contactos faltosos que, ao longo do jogo, não foram punidos pelo árbitro da partida e que, ajudando a criar a ilusão de que o jogo foi muito disputado e intensíssimo de parte a parte, retiraram a meu ver todo o interesse à partida, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista táctico), nem o falhanço clamoroso de Benteke, que não soube aproveitar uma situação de clara vantagem numérica. Interessa-me, sim, o que acontece entre esses dois momentos. Refiro-me ao passe que faz a bola entrar em Benteke.



Que nenhum elemento, das três equipas que se encontravam em campo, tenha percebido a irregularidade do lance, nem no momento em que ele decorria, nem depois de ele ter terminado, diz tudo do futebol que se pratica em Inglaterra. Nem o árbitro, nem o fiscal de linha, nem o jogador do Liverpool que faz o passe, nem o jogador do Liverpool que o solicita, nem nenhum outro jogador do Liverpool, nem o defesa do Leicester que ficara para trás com a subida do guarda-redes, nem o guarda-redes que vem a correr desalmadamente, nem qualquer outro jogador do Leicester (ninguém protesta!), percebeu que um passe para um jogador que, estando à frente da linha de meio-campo, tem à sua frente apenas um defensor, é um passe irregular. Consigo admitir que um árbitro interprete mal um lance, sobretudo se esse lance não for muito vulgar (a invulgaridade, aqui, era o último defensor não ser o guarda-redes). Um fiscal de linha, contudo, já não deveria falhar, nesse tipo de coisas, pois tem menos tarefas nas quais se deve concentrar. De qualquer modo, não é do erro da equipa de arbitragem que é importante falar. Que ninguém dentro das quatro linhas (e aposto que nas bancadas também não houve muita gente a aperceber-se da irregularidade do lance) tenha percebido a posição de fora-de-jogo da qual Benteke tira proveito é, a meu ver, o melhor retrato possível do que vai mal no futebol inglês. Nos estádios ingleses, a inteligência fica nos balneários. Enquanto isso não mudar, dificilmente o futebol inglês atingirá o patamar qualitativo a que o potencial económico o promete alçar.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Os Médios de Transporte e o Renato

Ontem, diante do Atlético de Madrid, houve um jogador encarnado que se destacou. Não, não foi Renato Sanches.  Lamento desapontar todos aqueles que aplaudiram de pé a iniciativa esplendorosa do Renato quando, já perto do fim do jogo, decidiu empolgar as bancadas do circo e pegou na bola, passou por cima de meia-dúzia de adversários, aos trambolhões, e, depois de perder a bola, como era natural que acontecesse, mordeu a língua, foi atrás do adversário, recuperou-a, arrancou de novo com ela e... passou a linha lateral. O momento, gravado na emoção das pessoas com carinho, e na História do jogo como o mais ridículo, constitui o exemplo perfeito do quão absurdo é tudo o que se diz e pensa acerca do jogo nos dias que correm. O Benfica empolgou-se depois de reduzir, e o Renato, sentindo que, sendo o momento de fazer das tripas coração, podia deixar de pensar no que estava a fazer, como até então, decidiu que era uma boa altura para começar a correr desalmadamente. Nas bancadas, gosta-se de quem o faz, ainda que o faça sem nexo. As arrancadas de Renato Sanches são, de facto, poderosas. As suas competências atléticas são invejáveis, e consegue ganhar muitas bolas à custa disso. É pena que o futebol não seja nada disso, e que a um jogador de futebol se exijam, sobretudo, competências intelectuais. Sim, é verdade que, em algumas das arrancadas do Renato, deixou dois ou três adversários para trás. Mas, para que isso acontecesse, teve sempre de ganhar no choque e de esticar o drible, o que o obrigava a disputar a bola no limite com o adversário seguinte... até a perder. Sim, é verdade que ganhou dois cartões com base nesse tipo de iniciativas. Mas também perdeu inúmeras bolas que, jogando com a cabecinha e não com o músculo, não perderia. Nas bancadas, isso não interessa. Interessa, sim, que o Renato faça lembrar o Eusébio contra a Coreia, mesmo numa altura em que correr com a bola e passar por vários adversários em força já não traga quaisquer dividendos à equipa. Sim, o Renato é um anacronismo, e o que as bancadas da Luz aplaudiram, sem que o soubessem, foi a História do Clube.

O melhor em campo, ontem, não foi o Renato. Foi o Pizzi. De muito, muito longe. E quantos aplausos mereceu o Pizzi ontem? As pessoas não gostam de futebol. Gostam de circo. De tal maneira que o melhor que o Renato fez em campo foi aquilo em que praticamente ninguém reparou: a simplicidade com que jogou durante os primeiros 60 minutos. Sempre que o Renato decidiu complicar (e a partir dessa altura foi muito)  o seu futebol perdeu qualidade. Aliás, aquilo que mostrou a partir do momento em que se passou a jogar mais com o coração do que com a cabeça parece ser a tendência natural do jogador. Retraído, por estar a dar os primeiros passos na equipa principal, Renato Sanches até tem feito boas coisas. Tem decidido rápido, tem jogado simples, tem limitado o seu jogo a fazer a equipa jogar. Também ajuda o facto de o Benfica jogar em 442 clássico, e de o Renato ser forçado a jogar sistematicamente fora do bloco adversário. Num ou noutro momento, quando em circunstâncias diferentes (em zonas de terreno mais povoadas, com menos soluções de passe fáceis) ou quando o coração dita o ritmo de jogo, vê-se, no entanto, qual é a tendência  natural do Renato: transportar, driblar, ir ao choque. Não há a tendência, por exemplo, para procurar o apoio frontal em progressão, ou para solicitar uma tabela; não há a tendência para progredir com a cabeça levantada, esperando que um colega o ajude a tomar a decisão através de uma desmarcação; não há a tendência para progredir lentamente, acelerando apenas no momento em que o adversário lhe sai ao encalce, jogando assim com a expectativa de quem lhe tenta tirar a bola (veja-se o que o Draxler fez ontem no segundo golo do Wolfsburgo). Isto para não falar do seu posicionamento e da forma como falha sistematicamente em ajustá-lo à rápida alteração das circunstâncias do jogo, como o demonstra, por exemplo, o primeiro golo do Atlético de Madrid ontem. Que ninguém tenha sequer percebido que foi ele que, enquanto segundo médio, falhou em povoar o espaço à frente da defesa, ainda para mais com o deslocamento de Jardel, diz muito acerca da euforia que se gerou à sua volta. É que falhou nesse lance e falhou em muitos outros parecidos. É verdade que o 442 clássico de Rui Vitória torna difícil esse tipo de ajustamento constante, e ontem o Benfica deu sempre espaço nas costas dos dois médios. O próprio Simeone ter-se-á apercebido disso, e foi para aproveitar essa deficiência que Griezman passou a jogar solto no meio a partir dos 20 minutos de jogo, com os benefícios que se viram.

O Renato é um médio de transporte clássico. E, não sei se as pessoas ainda não repararam, mas já há algum tempo que o futebol dispensou esse tipo de médios. Há uns anos, havia um médio em Portugal que se destacava pelas arrancadas com bola, através das quais tirava dois ou três jogadores do caminho. Quase toda a gente garantia que estaria entre os melhores do mundo dentro de poucos anos. Teve a sorte de sair para o único campeonato do mundo que ainda se compadece com médios de transporte, o inglês, e teve a sorte de poder jogar a partir da posição de médio, num 442 clássico, e não como médio ofensivo, entre linhas, posição em que dificilmente as suas qualidades teriam relevância. Em poucos anos, tornou-se num jogador banalíssimo. Chamava-se Anderson. O Renato não é especialmente diferente. Não é tão evoluído tecnicamente, o que talvez obste a que possa fazer carreira numa ala (posição em que Anderson talvez pudesse ter tido mais sucesso), e parece mais forte fisicamente, o que não sei se é uma vantagem. Mais ou menos na mesma altura, havia em Portugal, e no Benfica, um médio que muita gente começou por apreciar e que se destacava precisamente por transportar e ir ao choque. Chamava-se Beto. É verdade que o Renato me parece tecnicamente mais evoluído do que o Beto. Mas lembro-me bem do impacto que o brasileiro teve quando chegou à Luz, do quão empolgadas as pessoas andavam com a forma física, a capacidade de luta e a força natural do Beto. É exactamente isso que apreciam no Renato Sanches. Ainda que o Renato me pareça francamente melhor do que o Beto, aquilo pelo qual tem sido elogiado não é em nada diferente daquilo que levava as pessoas a confundir o Beto com um jogador de futebol. Actualmente, há um jogador em Portugal do estilo do Renato. Chama-se Imbula e custou 20 milhões de euros. Tanto um como outro, tendo obviamente algumas qualidades, me parecem sobrevalorizados. São essencialmente médios de transporte, competentes do ponto de vista técnico e muito fortes fisicamente. O futebol, contudo, joga-se com a cabeça, e não há médio moderno de eleição que não tenha nas competências intelectuais a sua principal virtude.

O futebol moderno requer essencialmente dois tipos de médios: médios que se distinguem pelo posicionamento, pela simplicidade de passe e pelo compromisso que conseguem manter de não forçar a entrada no bloco adversário, e que fazem carreira como médios-defensivos (jogando como pivot defensivo ou de perfil com outro médio); e médios que se distinguem pela criatividade, pela imaginação e pela capacidade de se movimentarem dentro do bloco adversário e de decidirem em espaços curtos. Renato Sanches não parece especialmente vocacionado para nada disto. Pertence a um terceiro tipo de médios, que, em boa verdade, continua a ser apreciado em muitos sítios e por muita gente, mas dos quais dificilmente se destaca um nome, nos dias que correm. A este terceiro grupo pertencem os médios de transporte, como é o caso do Renato, mas também os médios de combate, sobretudo vocacionados para tarefas defensivas, e os chamados "box-to-box", médios que se distinguem especialmente pelas capacidades sem bola, pela forma como recuperam o posicionamento defensivo, como facilitam a transição ofensiva ou como chegam com velocidade à área adversária. É provável que não haja um médio deste terceiro tipo entre os 20 melhores médios do mundo desde Patrick Vieira (talvez tenha havido o Essien, durante duas épocas). Mesmo Yaya Touré, que é vulgarmente tido como médio de transporte, não cinge o seu jogo a isso, sendo muito perspicaz, por exemplo, na maneira como se envolve em triangulações com os colegas. No futebol moderno, os melhores de entre este terceiro tipo de médios estão ao nível dos razoáveis dos outros dois tipos. Do Renato Sanches não espero, por isso, muito mais do que um médio razoável. Toda a euforia em torno dele é profundamente injustificada, e vem apenas confirmar que só por acaso é que o halterofilismo não é o desporto-rei em Portugal.

P.S. Os últimos minutos do jogo deram a impressão de que o Benfica conseguiu discutir o resultado com o Atlético de Madrid, e foi isso que, em larga medida, quase toda a gente disse. Se calhar vi um jogo diferente, mas pareceu-me que o Atlético, sem fazer um jogo extraordinário, podia facilmente ter saído da Luz com uma goleada. Valeu Lisandro, com três ou quatro antecipações providenciais, o facto de a equipa de Simeone não estar entre as melhores do mundo a aproveitar o espaço entre a linha defensiva e a linha de meio-campo e o desinteresse dos espanhóis em ter a bola ao longo de todo o jogo.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sergi Roberto e a Timidez

Sergi Roberto é um dos médios espanhóis mais promissores. Já tinha falado do seu talento anteriormente aqui, e continuei sempre a pensar o mesmo. Ainda assim, a sua afirmação tem sido adiada época após época. Depois da saída de Fabregas e Thiago Alcântara, parecia chegada a altura dele, mas tal não foi o caso, e cheguei a pensar que o seu destino não seria muito diferente do de Jonathan dos Santos, outro médio talentoso cuja evolução estagnou por falta de oportunidades. À partida para esta época, e mesmo com a saída de Xavi, Sergi Roberto parecia ser apenas o quarto médio (as primeiras três opções para o lugar de médio ofensivo, no Barça, eram claramente Iniesta, Rakitic e Rafinha) e, pelas indicações dadas na pré-época, parecia poder jogar mais tempo a lateral direito do que propriamente a médio. Foi assim, aliás, que começou a dar nas vistas, aproveitando a lesão de Dani Alves para aparecer em grande nível, como se tivesse sido lateral toda a vida. A inteligência e a criatividade são os seus principais atributos, e Sergi Roberto parece um exemplo feliz de como isso é tudo o que um jogador de futebol realmente precisava para poder vingar, seja qual for a posição. Apesar de nunca ter sido lateral, parecia saber exactamente o que fazer em cada situação, e foi mesmo o melhor em campo em vários jogos. O regresso de Dani Alves à actividade parecia, contudo, votar Sergi Roberto ao banco de suplentes, e durante algum tempo as suas excelentes prestações não pareciam ter sido devidamente reconhecidas. A lesão de Rafinha permitiu-lhe, porém, alguma utilização como médio, e a lesão mais recente, de Iniesta, contribuiu para que fosse presença assídua no meio-campo do Barça. E o que Sergi Roberto fez, nos últimos jogos, foi o suficiente para tornar difícil a vida a Luis Enrique a partir de agora. No último fim-de-semana, acrescentou à regularidade exibicional uma preponderância ofensiva muito assinalável: além do muito que tem jogado, foram dele as duas assistências para os dois golos com que o Barcelona venceu o Getafe. A primeira, então, é qualquer coisa de sublime, e merece todo o destaque.



Sergi Roberto pertence a um tipo de jogador que, não obstante o talento inegável, parece acusar alguma timidez. Sou defensor de que, numa equipa de futebol, cada jogador deve ter um tratamento diferenciado. Havendo perfis (psicológicos, atléticos, etc.) diferentes, há naturalmente quem mereça uma oportunidade e há quem mereça dez. Um jogador mais tímido, por exemplo, precisa de mais tempo para se sentir confortável dentro de uma equipa e, portanto, precisa de mais tempo para mostrar as suas qualidades. Um jogador mais irreverente, pelo contrário, precisa de menos tempo. Até pelo talento que lhe era reconhecido quando jovem, Sergi Roberto foi sempre permanecendo em Camp Nou. Ainda assim, não se soube, durante largas épocas, tornar confortável ao jogador a sua posição na equipa, e ele continuou incapaz de se livrar da sua timidez. E, se não fosse pela circunstância das várias lesões que fustigaram o plantel às ordens de Luis Enrique, ainda não era esta época que se afirmaria. O caso de Sergi Roberto é, também por isso, muito relevante para se perceber por que é que certos jogadores que parecem destinados ao sucesso acabam por passar ao lado de grandes carreiras.

O melhor exemplo que poderia dar como comparação é o de Bruno Pereirinha. É, de longe, o jogador português mais talentoso da sua geração, e está condenado a uma carreira irrisória. Até apareceu bem no Sporting, com a confiança que advinha de terem muitas expectativas a seu respeito, mas aos poucos foi acusando a sua timidez natural. Se ao seu talento somasse a irreverência que outros têm, a sua carreira teria decerto sido diferente. Podia não ter chegado ao nível a que poderia chegar, dada a conjuntura difícil que encontrou no Sporting, mas teria certamente merecido outro género de aposta, nos mais diversos clubes. A sua timidez levou, inicialmente, a considerar que nem sequer era médio, sendo a lateral que quase todos acreditavam que podia evoluir. Até por aí o seu caso é semelhante ao de Sergi Roberto. A inteligência, como a do espanhol, permitia-lhe jogar a lateral com facilidade, e as pessoas acabaram por considerar que essa era a sua melhor posição. Não era. Como não é a de Sergi Roberto. Tem facilidade nesse lugar, porque tem um talento fora do comum e porque percebe o jogo com facilidade, mas é médio. Como Sergi Roberto é. E é como médio que se espera que Sergi Roberto evolua. No início da carreira no Barça, Iniesta passou por problemas semelhantes. O perfil psicológico dos dois não é, aliás, muito diferente. E o talento, por sinal, também não. A diferença estará sempre na evolução, e nas circunstâncias que a possibilitem. Sergi Roberto já mostrou que merece a aposta, e cabe ao treinador e ao clube perceber que um jogador, por melhor que seja, precisa de que acreditem nele e de que o deixem descobrir, por si, como acomodar a sua timidez com a sua qualidade. A meu ver, o futuro do meio-campo espanhol passa necessariamente por ele e seria um desperdício não o ver, daqui a poucos anos, a comandar a selecção do país vizinho ao lado de Thiago Alcântara e de Oliver Torres.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O Benfica de Rui Vitória

O Benfica de Rui Vitória é, até à data, pouco mais do que um conjunto de jogadores espalhados num campo de futebol. A conclusão não é tardia nem motivada pelo descalabro do último fim-de-semana; em abono da verdade, foi o que tem vido a ser, jogo após jogo, desde o início do campeonato. Os resultados e a confiança que eles trazem mascararam essa realidade, criando a ilusão de que a equipa estava a crescer enquanto equipa. Não estava. O Benfica de Rui Vitória, até à data, não cresceu rigorosamente nada. Luís Freitas Lobo, por exemplo, acredita que este Benfica, em comparação com o de Jesus, é mais compacto e equilibrado, joga com as linhas mais juntas e é capaz, por isso mesmo, de jogar de forma mais pausada. É inacreditável que se possa sequer acreditar nisso. Basta ver 10 minutos de um jogo do Benfica de Rui Vitória para se perceber que o portador da bola é invariavelmente deixado ao abandono, que os homens sem bola raramente fazem movimentos de aproximação, que os alas e os avançados pouco ou nada são encorajados a invadir espaços interiores ou a baixar, que a tendência é para ocupar o máximo de espaço no terreno de jogo e que a inferioridade numérica no meio-campo, decorrente da insistência num modelo de jogo que requer necessariamente formas de compensar essa inferioridade é sempre, mas sempre, perniciosa para a equipa. O Benfica de Rui Vitória, até à data, é uma perfeita nulidade enquanto equipa.

Dois ou três resultados gordos (um deles construído nos últimos 20 minutos) e uma vitória inesperada em Madrid, conquistada às custas de 90 minutos a defender e de um Júlio César intransponível, não deveriam ser suficientes para se tirarem ilações positivas deste Benfica. Como sempre, as pessoas fiam-se nos resultados, e depois acontecem coisas que não conseguem explicar. A derrota humilhante deste fim-de-semana, uma das mais pesadas de sempre do Benfica em casa, não foi surpreendente, porém, para quem vê o que é importante ver. O Sporting ganhou com justiça, sem sequer fazer um jogo extraordinário. Foi eficaz e soube potenciar os erros do modelo do Benfica. Mas, mesmo que o não fosse, bastaria ocupar relativamente bem os espaços, coisa que as equipas de Jesus costumam saber fazer, para ter o domínio relativo do jogo. Tal como na Supertaça, o Sporting foi superior ao Benfica essencialmente porque foi uma equipa mais equilibrada em cada momento do jogo. Isso é o princípio de tudo. Sem ter sequer feito da troca de bola um modo de desposicionar o Benfica, bastou ao Sporting esperar que os encarnados, tendo que assumir as despesas do jogo, se desorganizassem por si. E assim foi. O Benfica foi sempre uma equipa desorganizada, tanto a defender como a atacar; teve sempre menos gente na zona da bola; nunca se preocupou com os apoios recuados ou com os apoios laterais, deixando o portador da bola sem outra solução que não o apoio vertical; defendeu sempre demasiados metros em largura quando a bola entrava nas alas, o que criava espaços excessivos entre os jogadores  (veja-se o espaço entre os centrais no segundo golo, potenciado por uma linha defensiva demasiado centrada quando a bola está encostada à linha esquerda); etc..

Para dar um exemplo do que é o Benfica de Rui Vitória, note-se a falta de rede no meio-campo, no terceiro golo do Sporting: o médio que incia a jogada não tem atrás de si nenhum outro médio, a dar um apoio recuado e a oferecer a cobertura numa eventual perda de bola, assim como não tem ninguém à sua direita, em cerca de quarenta metros, a não ser o lateral, que procura abrir. Assim é muito fácil ao adversário prever a opção do portador da bola. A antecipação que origina a perda de bola não é demérito do portador  nem do receptor, nem sequer é mérito do defesa sportinguista; é demérito colectivo do Benfica. O principal motivo da perda da bola é a desorganização colectiva que torna fácil ao adversário ler o lance. A agravar a situação, os centrais estão muito longe do portador da bola e do meio-campo, ficando, por conseguinte, incapacitados de reagir rapidamente à perda. No lance do terceiro golo, as pessoas vão crucificar o médio que cometeu a imprudência de fazer um passe à queima, ou o atacante que teve o desmazelo de se deixar antecipar, ou até mesmo o lateral direito, Sílvio, que demorou a reocupar a sua posição depois de a equipa ficar sem a bola, apesar de ser o único que, no momento ofensivo, se preocupou em dar uma solução de passe ao portador da bola (o que o deixou  naturalmente em condições deficientes para recuperar rapidamente). As pessoas vão crucificar qualquer um destes três, ou mesmo qualquer um dos outros jogadores que estavam em campo, pois não são capazes de perceber que um jogador joga aquilo que o colectivo lhe permitir jogar. As pessoas vão crucificar os jogadores, mas o principal responsável é Rui Vitória. O Benfica de Rui Vitória é, até à data, aquilo que foi exemplarmente neste jogo: pouco mais que nada.

P.S. O que pude ver do arranque da época fez-me antecipar, desde muito cedo e sem grandes hesitações, que o Sporting era o principal candidato ao título, este ano. Ainda que essa convicção tenha ficado enfraquecida depois do afastamento de Carrillo, possivelmente o melhor jogador do arranque de temporada leonino, creio que continuo a subscrever esse prognóstico.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O Legado de Luis Enrique e outras coisas

1. O Fim de uma Era

Quando a época passada terminou, e o Barça de Luis Enrique conquistou os três principais títulos, tive o ensejo de escrever um texto que, por vários motivos, acabei por nunca escrever. O que queria ter dito na altura e não disse é o que, muito abreviadamente, direi agora. O Barça ganhou tudo e, para muitos, voltou ao domínio do futebol europeu. A minha opinião é ligeiramente diferente: o Barça ganhou tudo, e perdeu finalmente a hegemonia que teve na última década. Pode parecer um contrassenso, mas creio que as conquistas do ano passado são o ponto final de uma era que começou com a chegada de Guardiola ao clube. O futebol da equipa de Luis Enrique já não tinha muito a ver com aquele que Guardiola preconizava (e que Tito Villanova e Tata Martino, mal ou bem, mantiveram), e o sucesso desse futebol significa a ruptura decisiva com o passado. Correndo o risco de parecer incoerente, uma vez que defendo que esse futebol já não tinha muito a ver com a da grande equipa de há uns anos, acho que muito desse sucesso se deve ao que os jogadores aprenderam com Guardiola: muito do que seria o trabalho do treinador é dispensado pelo que os jogadores, em termos colectivos, ainda retêm dessa altura. O mérito de Luis Enrique nas conquistas da equipa é, aliás, muito reduzido. Além de um conjunto de jogadores que cresceram a fazer uma série de coisas que agora fazem de olhos fechados, contou com jogadores que, do ponto de vista individual, fizeram toda a diferença. Para dizer de outro modo, o Barcelona ganhou tudo como poderia ter perdido tudo e como várias equipas ganham tudo. Jupp Heynckes ganhou tudo pelo Bayern há uns anos, e não me parece que lhe deva ser dado um mérito especial. Há sempre alguém que tem de ganhar, e o ano passado calhou ao Barcelona. Ao ganhar desse modo, como ganharia qualquer outra equipa, o Barça voltou a ser uma equipa normal. E a hegemonia que teve, e que continuava a assustar toda a gente, acabou. Por outras palavras, foi a melhor equipa dos últimos dez anos, mas arrisco-me a dizer que não será a melhor dos próximos. Se o impacto de Guardiola se viu até ao ano que passou, culminando com o triplete de Luis Enrique, o impacto de Luis Enrique ver-se-á daqui a 5 anos, quando o Barça for uma equipa banal.

2. A Lesão de Messi

Há um pormenor que costuma ser negligenciado quando se fala nas conquistas europeias: as lesões. Os dois anos em que Guardiola não ganhou a Champions quando ao serviço do Barcelona foram pautados por lesões relativamente longas ou recorrentes de jogadores importantes: Ibrahimovic, Iniesta, Villa, etc.. A equipa de Luis Enrique teve um ano praticamente imaculado, a esse nível, e isso também foi decisivo. Foi-o, de modo evidente, na forma como pôde superar o Bayern de Guardiola, fustigado por lesões, mas foi-o também ao longo de toda a época. Não houve lesões de grande duração em nenhum jogador importante, e isso permitiu à equipa manter os seus índices de produtividade. Que o tenha sido não me parece, de modo nenhum, irrelevante. Repetir a sorte de uma época sem lesões é praticamente impossível, e creio que isso ditará um ano bem mais modesto em termos de conquistas. A primeira lesão importante aconteceu este fim-de-semana, e ainda não se sabem bem as consequências dela. Apesar de ser preferível perder Messi nesta altura, dois meses (mais um mês ou dois até recuperar o melhor ritmo) é tempo suficiente para que o Barça perca terreno, por exemplo, no campeonato. Messi, aliás, foi decisivo nos jogos decisivos da época passada, e o principal responsável pelo sucesso de Luis Enrique nas provas a eliminar (em vários jogos da Champions, concretamente contra o Bayern, e na final da Taça do Rei, por exemplo). Sem Messi, o Barça de Guardiola era só a mesma equipa menos o seu melhor jogador. Sem Messi, o Barça de Luis Enrique vale menos de metade.

3. Xavi e Iniesta

Apesar de ter perdido a titularidade a época passada, Xavi foi quase sempre utilizado por Luis Enrique. Quando jogava de início, o Barça era quase sempre melhor, apesar de praticamente ninguém conseguir ver isso. Quando entrava, a equipa passava automaticamente a jogar melhor. Ainda que em final de carreira, aquele que foi, muito possivelmente, o melhor jogador de sempre, no que diz respeito à tomada de decisão, mantinha uma influência incrível, e só aqueles que acham que o futebol requer os melhores atletas não eram capazes de percebê-lo. Como o futebol é dominado por essa gente, tornou-se praticamente consensual que a era de Xavi no Barça chegara ao fim. Tenho para mim que não foi só a era de Xavi que terminou. Com Xavi, foi-se também a melhor equipa de sempre. Aliás, restam dessa equipa poucos jogadores: Dani Alves, Piqué, Busquets, Iniesta e Messi. Com a saída de Xavi (e a de Pedro), a somar-se às saídas em anos anteriores de Thiago Alcântara e Fabregas, por exemplo, o futebol de toque curto, mais pensado do que corrido, chegou ao fim. O próprio Iniesta, se virmos bem, é um autêntico órfão em campo. Messi tem capacidades atléticas (e idade) que lhe permitem adaptar-se a um estilo de jogo diferente, e o entendimento com jogadores mais vertiginosos torna-se fácil. Iniesta não as tem, e o seu futebol eclipsa-se a cada dia que passa. Não quero ser mal entendido: esse futebol não se eclipa por  Iniesta já não ter capacidades físicas para mantê-lo vivo, mas porque já não está rodeado de colegas a quem interessa jogar o mesmo jogo. Cada jogador é aquilo que o rodeia. E Iniesta deixou de estar rodeado dos mais inteligentes. O Barça de Luis Enrique já não é o Barça de Xavi e Iniesta. Em tempos, num lance que não consigo situar (imaginava, erradamente, ter sido o lance em Old Trafford que permitira a Paul Scholes fazer o golo que eliminou o Barça nas meias finais da Champions de 2007/2008), Xavi falhou um passe decisivo à entrada da área por tê-lo feito sem perceber antecipadamente se o colega a quem passava a bola estaria à espera de recebê-la. Ninguém me compreendeu, porque para quase toda a gente não se deve passar a bola antes de olhar a ver se lá está o colega. Xavi, ao falhar esse passe, antecipava o Barcelona de Guardiola. Antecipava-o na medida em que antecipava aquilo que o Barcelona de Guardiola permitia a todos os jogadores, e em especial ao próprio Xavi: jogar de olhos fechados e passar sem precisar de perceber se o colega vai estar onde deve estar. Xavi passou a bola, nesse dia, para onde devia estar o colega. Só que o colega não estava lá porque não tinha sido ensinado a perceber antecipadamente onde Xavi queria que ele estivesse. O Barcelona de Guardiola fez-se sobretudo disto: todos pareciam saber com antecedência suficiente as intenções dos colegas. Numa equipa assim, ninguém superava Xavi. Tinha sempre mais passes que toda a gente, percorria sempre mais metros do que os outros. Sem bola, dava mais opções ao portador do que qualquer outro colega. Com ela, era sempre o mais eficaz, optasse pelo passe curto ou pelo passe longo. Agora que a equipa de Xavi e Iniesta já não existe, a única boa notícia é que estão os dois (especialmente Xavi) mais próximos de se tornarem treinadores de futebol.

 4. As Inconsistências e os Estúpidos

Quando, na segunda época de Guardiola, Ibrahimovic marcou 16 golos na Liga Espanhola em 2034 minutos (num total de 21 golos em 3285 minutos jogados em todas as competições), quase toda a gente concluiu que tinha sido uma má época do sueco. Apressaram-se então a dizer que falhara na Catalunha, ainda que o seu contributo para a manobra ofensiva do Barça tivesse sido inestimável, e que Guardiola se equivocara ao contratá-lo. Guardiola e Ibrahimovic não parecem ter-se entendido às mil maravilhas, é verdade, mas duvido que o rendimento do sueco tenha sido o problema. Guardiola começava a perceber que precisava de colocar Messi numa posição central, e Ibrahimovic não parecia disposto a jogar noutra posição. A saída de Ibrahimovic do clube pareceu dar razão àqueles que defenderam o mau investimento, e o principal argumento foi sempre aquele que os estúpidos mais depressa invocam: os números. Ora, os números de Ibrahimovic nessa primeira época são praticamente os mesmos que os de... isso, acertaram: Luis Suarez! Suarez fez, a época transacta, os mesmos 16 golos em 2180 minutos na Liga Espanhola (num total de 25 golos em 3535 minutos em todas as competições). Em média, Suarez marcou menos golos por minuto jogado na Liga Espanhola do que Ibrahimovic. Com quatro agravantes. A primeira é a de que o Barça de Luis Enrique, enquanto equipa, fez mais 12 golos do que o de Guardiola nessa época, o que significa que Ibrahimovic fez 16,3% dos golos da equipa e Suarez apenas 14,5%. A segunda é a de que, apesar de ter começado a jogar mais tarde, Suarez nunca se lesionou, o que fez com que nunca tivesse quebras de rendimento, coisa que não aconteceu com Ibrahimovic, que esteve constantemente a recuperar de lesões. A terceira é a de que, além dos golos, Suarez não ofereceu mais nada à equipa, o que também não foi o caso com Ibrahimovic, cujo envolvimento com o colectivo foi muito importante. A quarta é a de que Luis Suarez foi bem mais caro do que Ibrahimovic. Tudo somado, até para aqueles que gostam de apoiar os seus argumentos nos números, é impossível defender que Ibrahimovic tenha feita uma má primeira época e  que Suarez tenha feito uma boa época. Mas - surpresa das surpresas - é exactamente isso que é defendido de modo generalizado! Suarez é hoje tido como um dos elementos mais importantes da equipa catalã, está eleito entre os três melhores jogadores da temporada passada, e há sobre ele uma opinião generalizada muito favorável. Não é impressionante que assim seja. A maior parte das pessoas baseia as suas opiniões no que ouvem dizer e o que ouvem dizer é geralmente o que não interessa ouvir. Neste caso, Suarez é tido como uma grande contratação porque o Barça ganhou a Champions e porque Suarez é aquele tipo de avançado do qual se condescende porque é aguerrido. Não tem metade da qualidade de Ibrahimovic, não fez metade do que Ibrahimovic fez em Barcelona e, como se demonstra, nem sequer marcou mais golos do que Ibrahimovic. O futebol continua a ser dos estúpidos, e os estúpidos continuam a fazer-se ouvir a outros estúpidos. Um dos avançados mais sobrevalorizados da actualidade já pode dizer que foi eleito para melhor jogador do mundo; o melhor avançado da história do jogo nunca chegou a sê-lo, e provavelmente já não virá a sê-lo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A Histeria em torno de André André e o que isso diz de Lopetegui

Mais irritante do que a cacofonia do nome é a histeria em torno das qualidades futebolísticas de André André, estrondosa nas últimas semanas e após o clássico deste fim-de-semana. Para Luís Freitas Lobo, por exemplo, André André é um jogador extraordinário. Mas pronto, para Freitas Lobo o Benfica de Rui Vitória também é uma equipa com as linhas muito mais juntas do que o Benfica de Jesus e Gonçalo Guedes também é um jogador que pensa o jogo a cada instante. Há que dar a condescendência devida aos parvos, e Freitas Lobo não é excepção. Quanto a André André, enfim, pode apenas dizer-se que é o exemplo mais recente da estupidez com que se olha para um campo de futebol. De tempos a tempos, surgem estes casos absurdos de jogadores sem o mínimo de talento que entusiasmam plateias inteiras. Tem tudo aquilo de que as bancadas gostam: é raçudo, vai a todas, corre que se farta, é voluntarioso, joga com amor à camisola e, ainda por cima, é filho de uma antiga glória do clube. No meio disto tudo, uma pessoa até se esquece de que o que era realmente giro era se tivesse talento. André André não tem talento. É um médio de combate, razoável do ponto de vista técnico, e útil em alguns momentos de um jogo. Não é nem médio para jogar entre linhas, que é como acreditam que deve jogar, nem médio para acrescentar alguma coisa à equipa em organização ofensiva, nem médio para jogar em zonas com pouco espaço. André André não tem um pingo de criatividade. Executa rápido, é verdade, mas apenas considera uma possibilidade. A sua decisão é sempre a mais óbvia, e pode apenas ter alguma utilidade, no passe, em momentos do jogo em que há muito espaço e pouca coisa a considerar. Os treinadores continuam a teimar em médios deste género, e continuam a acreditar que este tipo de jogador tem espaço em equipas que passam a maior parte do tempo em organização ofensiva. É pena, porque o futebol moderno, dados os bons exemplos que se foram acumulando nos últimos anos, já mostrou que não é com músculo, vontade e entrega ao jogo que se constroem equipas competentes. André André é uma espécie de Raúl Meireles. Se este já apanhou uma fase da evolução do jogo em que já não deviam apostar nele, dado aquilo que se começava então a exigir a um médio de ataque, André André aparece numa altura em que só por estupidez se pode achar que a organização defensiva adversária se desfaz com gente que corre muito, toma decisões muito rápidas e disputa cada lance como se fosse a coisa mais importante do mundo. André André é o típico médio de que se gostava muito há 15 anos. Sempre que aparecem jogadores deste tipo, fico com a sensação de que não se percebe o quanto o jogo evoluiu entretanto. 

Quanto a Lopetegui, sempre me pareceu o típico treinador que, tendo sido educado, enquanto treinador, numa escola futebolística que o conduz à posse e ao futebol apoiado, possui a tentação secreta de ser um treinador à antiga. Este início de campeonato desfez finalmente todas as dúvidas. As suas equipas só não são equipas dos anos 80 porque o talento o vai disfarçando. Este ano, porém, parece realmente apostado em recuar às origens. Não é só os extremos sistematicamente abertos, as variações de flanco cada vez mais constantes, o privilégio pelas alas, a distância absurda entre jogadores e a previsibilidade com que a equipa ataca; é também o tipo de meio-campo que está a tentar construir. O ano passado, o meio-campo ofensivo do Porto era muito criativo. Quando não jogavam Oliver ou Herrera, os dois titulares, jogava Evandro, que tem bastante qualidade. E Brahimi tinha liberdade suficiente para vir para terrenos interiores, sem bola, para criar superioridade numérica por dentro e para deixar a largura e a profunidade a cargo do lateral. Este ano, além de ter saído Oliver e ter entrado Imbula, que não tem nem um terço da qualidade do espanhol e vem claramente sobrevalorizado, Herrera saiu do onze e Evandro nem conta. E Bueno, onde anda? O meio-campo do Porto, com Imbula e André André (já para não falar de Danilo), não sabe pausar o jogo, não sabe assumir a posse e não tem capacidade para desmontar linhas defensivas através de trocas de bola e penetrações frontais. Com este meio-campo, o futebol do Porto consiste sobretudo em fazer a bola chegar à linha, para que Brahimi, Corona, Varela e Tello desequilibrem individualmente, e em meter muita gente na área (os médios correm a direito, tendo por missão aparecer o mais possível junto ao ponta de lança, essencialmente a pensar em cruzamentos, em passes em profundidade para as costas da defesa e em segundas bolas). Apesar da qualidade individual do Porto, que me parece ser superior à de qualquer um dos rivais, este género de ideologia será fatal a Lopetegui.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O Futebol do Tottenham de Pochettino

O treinador mais interessante da Premier League chama-se Mauricio Pochettino. O adepto normal, assim como o comentador enfebrecido, têm porém os escrúpulos domesticados pelas opiniões vulgares dos que acreditam que a diferença entre o futebol e o halterofilismo é haver uma bola. O tom depreciativo com que os comentadores da Benfica TV falam do Tottenham de Pochettino, por exemplo, é absurdo. No ano passado, quando as coisas não corriam bem, passavam os jogos a sugerir que o treinador argentino viera descaracterizar o futebol inglês. Convencidos de que o futebol inglês é genuíno e de que em terras de Sua Majestade é que se joga a sério, tais comentadores viam o estilo da equipa londrina como uma aberração. Não é preciso muito para mostrar o quão errados estão. O futebol inglês, no seu todo, leva uns 30 anos de atraso; as competências colectivas da maior parte das equipas são pouco mais do que rudimentares; o futebol praticado é horrível, do ponto de vista da criatividade e da inteligência, e só provoca emoções naqueles que não sabem que emoções devem ter; as equipas inglesas, como se demonstra pelos fraquíssimos resultados que continuam a averbar na Europa, não têm capacidade para ombrear com as equipas europeias. Ao contrário do que pensam tais comentadores, o futebol inglês precisa de ser descaracterizado. Precisa, portanto, de mais Pochettinos. Quando as coisas começaram a correr bem ao Tottenham, quando aquele mesmo futebol, que era motivo de escárnio apenas por não obter os resultados que depois veio a obter, passou a ser eficaz, os mesmos comentadores tiveram certamente de engolir alguns sapos.

A segunda época de Pochettino à frente dos londrinos começou, de novo, menos bem, e logo os mesmos comentadores voltaram a fazer-se ouvir. Durante a primeira parte do jogo deste fim-de-semana com o Sunderland, todos os elogios eram dirigidos para os contra-ataques adversários, para a velocidade imprimida por Lens e Defoe. O Tottenham jogava organizado, de pé para pé, com qualidade, procurando atrair para desmarcar, insistindo em desfazer as linhas adversárias com paciência, invadindo o espaço entre linhas e sem pressa de chegar a zonas de finalização. À medida que o tempo ia passado e o nulo inicial não se alterava, os comentadores iam sentindo cada vez mais necessidade de exprimir a sua repugnância por um futebol que não compreendem e julgam errado. Entre outras coisas, afirmavam com desdém que Pochettino tinha "alergia aos extremos" ou que a história e a tradição de uma equipa como o Tottenham impunha outro estilo de jogo. Ora, é muito difícil explicar a tartarugas que "alergia a extremos" é possivelmente o melhor sintoma que podiam verificar actualmente num treinador de futebol. Hoje em dia, convencionou-se que qualquer equipa tem de abrir o seu jogo atacante, que deve usar extremos velozes, fortes no um para um e úteis em momentos de transição. Para a maior parte das pessoas, ter dois extremos deste género em campo é a única forma de provocar desequilíbrios, no futebol moderno. Ora, a maioria das pessoas não percebe nada de futebol. Não sendo contra a utilização de extremos, sou contra a ideia de que os extremos servem para este género de tarefas. É por isso que considero que um treinador que tem orçamento para contratar alguns extremos capazes de desequilibrar e não o faz, um treinador que dispensa os seus extremos (Lennon) ou não os utiliza com regularidade (Towsend), é um treinador que percebe que, ofensivamente, a equipa deve privilegiar soluções colectivas em detrimento de soluções individuais. Ser alérgico a extremos é sintoma de quem percebe que uma equipa é muito mais do que as individualidades que a compõem, e é por isso que Pochettino, ao contrário do que pensam aqueles que não percebem nada de futebol, é muito melhor treinador do que a maioria dos treinadores ingleses.



Não vi a segunda parte do jogo, mas dava muita coisa para ter presenciado a reacção dos energúmenos que comentavam o jogo quando o Tottenham chegou ao golo, já perto do fim do jogo. É que o golo dos londrinos é fruto justamente da insistência no tipo de futebol que esses comentadores não compreendem, no tipo de futebol que dispensa a utilização de extremos velozes a quem entregar a bola assim que é recuperada para que estes forcem os desequilíbrios na defesa adversária. O Tottenham joga preferencialmente pelo centro do terreno, colocando muita gente no meio, e insistindo em passes verticais que servem para desmontar as linhas adversárias e para aproveitar o espaço entre elas. E este golo é o melhor exemplo da utilidade desse futebol. Um toque de Lamela para Mason, o passe vertical deste para Kane, que dá de primeira em Lamela, que entretanto tinha arranjado espaço, fruto do desinteresse em si que a bola motivou, e o passe de Lamela a solicitar Mason no espaço libertado pelo central que foi atrás de Kane foi tudo o que bastou. Três jogadores e quatro passes chegaram para desmontar as linhas defensivas do adversário. Com passes curtos, tabelas e triangulações, o futebol é muito mais eficaz do que com os tão elogiados extremos que correm a direito e provocam desequilíbrios individuais. Os comentadores desportivos, sem grandes excepções, continuam a não perceber isto e continuam, semana após semana, a dizer disparates. O jogo continua a evoluir, mas aqueles que ganham a vida à custa do futebol insistem em falar do jogo que os seus avós lhes ensinaram a ver. A inteligência é uma coisa bonita, mas é quando permite aos homens aprender que aquilo que aprenderam não é válido para sempre.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Os Melhores de 2014/2015

Eis os melhores da Liga Portuguesa, em 442 losango para acomodá-los melhor:

Guarda-Redes: Júlio César
Defesa Direito: Danilo
Defesa Esquerdo: Alex Sandro
Defesas Centrais: Luisão e Marcano
Médio Defensivo: William Carvalho
Médios Interiores: Óliver Torres e Nani
Médio Ofensivo: Nico Gaitán
Avançados: Jackson Martinez e Jonas

Treinador: Marco Silva

Suplentes (433):

Guarda-Redes: Rui Patrício
Defesa Direito: Maxi Pereira
Defesa Esquerdo: Tiago Gomes
Defesas Centrais: Paulo Oliveira e Jardel
Médio Defensivo: Samaris
Médios Ofensivos: Brahimi e Pedro Tiba
Extremos: Rafa e Miguel Rosa
Avançados: Lima

Treinador: Jorge Jesus

domingo, 7 de junho de 2015

Pirlo e Xavi

Nos últimos 15 anos, o futebol foi-se tornando, gradualmente, um jogo de médios como estes dois. Com Andrea Pirlo, o futebol mundial aprendeu que os médios-defensivos não precisavam de ser, como até então se julgava, jogadores de competências essencialmente defensivas. O futebol mundial aprendeu, e o futuro precipitou-se. Nenhuma equipa de topo, hoje em dia, tem como médio-defensivo um cão de guarda., e nenhuma equipa de topo que queira ganhar alguma coisa poderá voltar a pensar em ganhar tendo médios que saibam apenas andar atrás dos adversários. Devemos isso a Andrea Pirlo. Um grande jogador vê-se sobretudo no modo como antecipa o futuro da modalidade. Ainda que não pareça haver qualquer relação entre as duas coisas, a revolução de Guardiola não teria sido possível sem Pirlo. Não é por acaso, de resto, que Guardiola quis juntar (e esteve pertíssimo de consegui-lo) Pirlo a Xavi e Iniesta, como conta o italiano na sua biografia. Pirlo é o precursor dessa fabulosa equipa de médios, e o verdadeiro precursor do futebol moderno. É também, em boa verdade, o precursor de Xavi Hernandez, cujo futebol se tornou  perfeito apenas quando Guardiola pegou na equipa e lhe entregou a batuta.

Xavi é o médio mais perfeccionista de sempre. Quando o futebol se tornou, acima de qualquer outra coisa, um jogo de decisões, foi ele quem melhor mostrou como se jogava esse novo jogo. Nenhuma revolução se faz de um dia para o outro, e Xavi herda anos de evolução na Catalunha e herda também aquilo que, por exemplo, Pirlo andava a mostrar há alguns anos. Quando finalmente pôde pôr em prática tudo isso, mudou o jogo para sempre. Fez parte da melhor equipa de todos os tempos, ganhou tudo e mais alguma coisa, mas o seu principal legado são as decisões acertadas. Ninguém, como ele, conseguiu acertar tanto, estar tanto em jogo, receber tanto e passar tanto como ele. Quando Guardiola saiu de Barcelona, pensava-se que aquele futebol tinha acabado, e que o futuro era de equipas que jogavam de modo diferente do seu Barcelona. Não é assim que as coisas se processam. O futebol, como muitas outras coisas, evolui. Tal como nunca mais será possível haver grandes equipas com médios que não saibam jogar à bola, também não voltará a ser possível ganhar continuadamente sem uma equipa que se caracterize pelas boas decisões. A evolução pode não ser linear, pode haver precalços e pequenos retrocessos, mas é irreversível.

Andrea Pirlo é o rosto do futebol do século XXI e Xavi Hernandez a sua alma. Quis a História que terminassem as suas carreiras (ao mais alto nível, pelo menos) no mesmo estádio, na mesma final, disputando o melhor dos troféus, defrontando-se um ao outro e, o que é espantoso, ainda jogando a um nível altíssimo. A admiração mútua é talvez o maior destaque desta final, e é por ela que nenhum dos dois saiu realmente derrotado de Berlim. Pirlo e Xavi mudaram o futebol, e ambos reconheceram a importância do outro nessa mudança. Não é todos os dias que dois campeões deste calibre, com esta personalidade e admirando-se mutuamente, fazem o último jogo oficial na Europa jogando um contra o outro numa final da Liga dos Campões. É por isso que interessa menos qual dos dois ficou com a taça do que o abraço que as câmaras e os fotógrafos registaram no final do jogo. Há pequenos momentos que a posteridade lembra com mais nitidez do que aquilo que se passou no jogo a que correspondem, e este será sem dúvida um deles. O legado de Pirlo e Xavi é maior do que qualquer vitrine premiada, e na retina dos vindouros ficará esta imagem, não o que se passou em campo. Hoje é um dia triste, porque deixaremos de ver dois dos maiores jogadores de sempre. Amanhã haverá, por isso, menos classe nos relvados europeus. Mas o futebol será um jogo muito diferente do que era antes de eles pisarem os grandes palcos. O papel decisivo que ambos tiveram na evolução do jogo ninguém lhes tira, e quem gosta realmente deste jogo só pode estar, por isso, muitíssimo agradecido por tudo o que eles fizeram. Pirlo e Xavi podem ter terminado as suas carreiras, mas o futebol que jogavam não terminou. Voltaremos a vê-los, ainda que nos pés e nas ideias dos melhores médios que se lhes seguirem.

terça-feira, 5 de maio de 2015

As Pequenas Alterações de Guardiola

O Bayern de Guardiola perdeu no Dragão porque os erros individuais, num jogo como o futebol, podem ser decisivos. Dois erros deram em golo, outros intranquilizaram a equipa, e criou-se a ilusão de que a equipa alemã, se devidamente incomodada, não era capaz de contornar a pressão portista. E o Porto de Lopetegui, cuja estratégia de pressão consistiu basicamente em tentar impedir que o Bayern usasse a ligação entre os centrais e Xabi Alonso, saiu da primeira mão com uma vantagem generosa e, mais do que isso, convencido de que encontrara a receita para ultrapassar a eliminatória. Ao contrário do que foi dito por muita gente, não gostei particularmente do modo como o Porto pressionou nesse jogo, e não acho sequer que os erros individuais (os que deram em golo e os outros) tenham sido frutos da pressão e da estratégia de Lopetegui. A intenção de pressionar alto nunca foi acompanhada pela subida da linha defensiva, e só por inépcia e intranquilidade dos alemães o espaço que era dado atrás da linha de médios não foi melhor aproveitado. O Porto subiu linhas, procurou dificultar a saída de bola dos bávaros, jogou com bravura, mas não pressionou excepcionalmente bem. Disse aqui que não perceber isso era meio caminho andado para perder uma eliminatória que, não obstante a vantagem de dois golos e a quantidade de jogadores lesionados do adversário, estava longe de estar garantida.

Ora, não só se comprovou que a eliminatória não estava garantida, como foram exactamente esses defeitos no modo de pressionar do Porto que Guardiola aproveitou. Ao contrário, novamente, do que ouvi e li, não acho que Lopetegui tenha jogado de modo diferente do que fez no Dragão. Tentou sempre impedir a saída de bola dos bávaros, procurando que os seus médios pressionassem alto, e procurou sempre impedir que tal saída se fizesse pelo médio-defensivo. Sempre. A diferença foi que o Bayern conseguiu evitar essa pressão e ultrapassou sistematicamente essa linha de médios, o que no Dragão só aconteceu ocasionalmente. Sempre que o Bayern o conseguiu, o Porto foi obrigado a baixar as linhas e a iniciar a pressão mais atrás. Daí que se tenha criado a ilusão de que defendeu mais recuado e de que procurou esperar mais pelos alemães. Não foi verdade. Tentou fazer exactamente o mesmo que fizera na primeira mão. Mas, ao contrário da primeira mão, em que beneficiou de erros individuais não propriamente forçados por um comportamento colectivo relevante, o que intranquilizou os jogadores do Bayern e afectou a capacidade da equipa alemã para levar a bola para o espaço entre a linha defensiva e a linha média do Porto, a equipa de Lopetegui não foi bem sucedida nessa intenção porque o adversário soube contornar tudo isso.

Ao contrário também do que foram dizendo os comentadores do jogo, a disposição táctica do Bayern foi exactamente a mesma da primeira mão: um 433. A única diferença, do meio-campo para a frente, foi a troca posicional entre Lahm e Müller. O capitão dos bávaros jogara a primeira mão no meio-campo, de perfil com Thiago, mas jogou desta vez na linha, como extremo. Mas Müller não jogou ao lado de Lewandosky; jogou no meio-campo, de perfil com Thiago. A ideia de Guardiola parece-me óbvia: trocar um jogador que, apesar de muito inteligente e de ser posicionalmente muito bom, não é especialmente forte entre linhas, por um jogador cujos movimentos interiores e de aproximação à área que o distinguem nunca foram aproveitados na primeira mão. Müller é fortíssimo a explorar o espaço entre linhas, e foi esse espaço que o Porto concedeu na primeira mão e que o Bayern nunca conseguiu aproveitar condignamente. Para a segunda mão, Guardiola optou por manter dois alas muito abertos (neste caso, Götze e Lahm), de maneira a garantir o máximo de espaço entre os laterais e os centrais e entre os laterais e o médio defensivo, e trouxe Müller para o espaço interior, onde as suas movimentações sem bola pudessem permitir ao Bayern uma solução constante nesses espaços. Müller é possivelmente o melhor jogador do mundo a movimentar-se sem bola, e Guardiola usou esse trunfo na posição certa. Abdicou das movimentações de Müller da linha para a área, nas quais também é muito forte, para passar a contar com elas onde lhe interessava que elas ocorressem, nas costas de Oliver. Com essa pequena alteração, na qual pouca gente aliás terá reparado, a pressão do Porto, porque não era bem feita, deixou de ser incomodativa; com essa pequena alteração, Guardiola virou a eliminatória de pernas para o ar.

Para aqueles que consideram que Guardiola teve a sorte de ter um conjunto de jogadores fantásticos em Barcelona, que acham que o seu mérito termina em ter sabido encontrar um modelo de jogo adequado a um conjunto de jogadores especiais, estes 6-1 são talvez a melhor demonstração do quão errados estão. Até por não haver muita gente que dê valor ao que se pode fazer com o espaço entre linhas que os adversários dão, duvido que houvesse outro treinador capaz de ler tão bem como ele aquilo que o jogo do Dragão tinha sido e aquilo de que a sua equipa precisava para que não voltasse a sê-lo. A mim, não deixa de me surpreender. Tacticamente, continuo a dizê-lo, está a milhas de distância de qualquer outro treinador no planeta. Guardiola trocou dois jogadores e, com isso, mudou completamente as coordenadas do jogo. Acrescente-se a isso outra pequena alteração, a de ter prescindido de sair por Xabi Alonso, o que aliás já tinha acontecido em muitos momentos na primeira mão, e tem-se a melhor explicação do que se passou em Munique com o Porto. Como Guardiola disse ainda, depois da partida, Lopetegui tinha surpreendido na primeira mão, ao mandar Jackson pressionar sistematicamente Xabi Alonso. Para a segunda mão, Guardiola pediu a Xabi Alonso para fazer os mesmos movimentos, para recuar e para se posicionar na mesma entre os centrais, o que obrigava Jackson a acompanhá-lo, mas apenas para dar espaço para a bola sair pelos centrais, preferencialmente Badstuber. Alterando as dinâmicas  sem bola atrás dos médios e alterando a dinâmica da saída de bola, abdicando de usar Xabi Alonso, como habitualmente, na primeira fase de construção, Guardiola aproveitou o principal defeito da estratégia defensiva do Porto e anulou a sua principal virtude. Sem grandes mudanças, sem os principais desequilibradores da equipa, sem quatro habituais titulares, transformou um resultado muito perigoso numa vitória muito tranquila em apenas 45 minutos. Quantos treinadores do mundo o conseguiriam? Continuo a achar que há poucos privilégios, actualmente, como o de podermos desfrutar destas fabulosas lições de quem sabe tanto acerca de futebol. Veremos o que faz agora contra o Barça que criou.

sábado, 18 de abril de 2015

Notas Soltas sobre a Jornada Europeia

1. A primeira nota é sobre a surpresa do Dragão. O resultado é surpreendente, mesmo para um optimista e mesmo reconhecendo que faltaram ao Bayern vários jogadores importantes. Mais surpreendente será, talvez, a apatia dos alemães, sobretudo na segunda parte, e a incapacidade de condicionar o adversário, como habitualmente, pelo jogo de posse. A maior parte das pessoas teceu rasgados elogios à estratégia de Lopetegui e não se coibiu de traçar um nexo causal entre essa estratégia e o resultado do jogo. Não querendo de modo algum sugerir que a pressão portista não teve alguns efeitos desejados, parece-me um exagero, porém, atribuir a essa estratégia qualquer um dos golos com que o Porto construi a interessante vantagem que leva para a segunda mão. Sim, essa estratégia foi importante na forma como, na segunda parte, o Porto conseguiu evitar que o Bayern fizesse o seu jogo habitual de posse e fosse conseguindo as habituais penetrações frontais, mas não foi responsável por mais nada. Já não é de agora, mas sempre que um jogo corre mal a Guardiola, para a opinião pública, é porque o treinador contrário descobriu a pólvora. Enfim... Sobre o terceiro golo, não sei se é preciso dizer mais do que foi um pontapé para a frente, um erro de Boateng, que não percebeu onde é que a bola ia cair, e uma recepção fenomenal de Jackson. Quanto aos outros, são erros individuais não potenciados pela pressão portista, como se alegou. Pressão não é aquilo que Jackson e Quaresma fizeram nos dois primeiros golos, respectivamente. Aquilo é uma iniciativa individual que, quando muito, serve para atrasar a saída de bola do adversário. Pressão é um comportamento colectivo. Não foi a pressão do Porto que forçou aqueles erros e não foi a estratégia de Lopetegui que deu resultado. Foram erros individuais. E os erros individuais não são da responsabilidade dos treinadores. Não perceber isto é achar que, desde que o Porto consiga repetir a estratégia, tem a eliminatória garantida. Não tem.

2. Ainda sobre um aspecto do que disse acima, há a tendência absurda, hoje em dia, para elogiar treinadores cuja estratégia consiste em estabelecer zonas de pressão e em atacar rapidamente assim que se recupera a bola para aproveitar o espaço nas costas do adversário. O absurdo disto está no facto de não se ser capaz de ver estratégia em mais lado nenhum. Só há stratégia, para esta gente, quando uma equipa abdica propositadamente da bola para poder atacar com mais espaço depois. Não há paciência para estes miseráveis... Para esta gente, se uma equipa assume deliberadamente o jogo, é porque tem melhores jogadores; se não o assume deliberadamente, é porque o treinador é um estratega. E quando a estratégia defensiva, calculista, de esperar pelo erro do adversário, não tem sucesso, é porque os jogadores não a souberam cumprir. Para esta gente, a estratégia de defender atrás, pressionar nas zonas certas e sair rapidamente para o contra-ataque é infalível, desde que os jogadores se comportem como devem. Foi mais ou menos isto que Luís Freitas Lobo foi insinuando no jogo que opôs o PSG ao Barcelona. Se, por acaso, o PSG tivesse feito golo naquele contra-ataque conduzido por Lavezzi que terminou com Cavani a perder espaço e a permitir o corte de Mascherano, o que na altura daria o empate, assistiríamos decerto ao elogio da estratégia de Laurent Blanc. Como não resultou, e como o Barça continuou a mandar no jogo e ainda dilatou a vantagem, o insucesso explica-se ou pela apatia dos jogadores ou por o treinador não ter posto outro tipo de jogadores.

3. Foi só isto que se ouviu dizer pelos comentadores de serviço da Sporttv responsáveis pela cobertura da jornada da Liga Europa (Helena Costa e outro pateta). O Wolfsburgo perdeu por 4 a 1 em casa com o Nápoles porque Benitez é um estratega e porque os alemães não apresentaram agressividade, empenho e mobilidade suficiente. Para esta gente, só é possível contrariar aquela super-estratégia de ficar fechadinho atrás da linha da bola sendo mais agressivo, empenhado e mexido. 99% das pessoas que comentam futebol na televisão repetem ladainhas e ideias disseminadas que ou estão erradas ou não são bem aplicadas. Vêem um ou outro jogo e aplicam rótulos que ficam para sempre. Como ouviram dizer que Benitez é assim e como, se calhar, viram um jogo do Sevilha contra um adversário mais forte, decidiram que Unai Emery é como Benitez. E passaram o tempo todo a falar de como os dois são iguais, de como as equipas de ambos jogam defensivamente, esperando o momento certo para atacar, e de como, por essa razão, são mal amados num país em que a maior parte dos treinadores defende uma cultura de posse. Eu até aceito que em Espanha haja mais treinadores a defender uma cultura de posse do que noutros países. Daí a serem todos vai um salto enorme. E incluir Unai Emery entre os treinadores calculistas cujas equipas abdicam da bola é um disparate que não é possível qualificar.

4. Regressando ao jogo de Paris, Luís Freitas Lobo também repetiu alarvidades. As principais tiveram a ver com Matuidi e com Pastore. Para Freitas Lobo, Matuidi é o melhor médio a jogar pela meia esquerda do mundo, signifique isso o que significar. A única coisa que Matuidi fez, no jogo de quarta-feira, foi aparecer no flanco esquerdo, a ir buscar bolas perto da bandeirola de canto. Não fez mais nada senão piques para ir apanhar a bola onde ela dificilmente seria útil. Piques! Um jogador é o melhor do mundo a jogar ali pela meia esquerda porque faz piques! Ao que chegou o comentário futebolístico em Portugal! Só esta opinião seria suficiente para que Freitas Lobo merecesse o internamento, mas é preciso confrontá-la com a opinião sobre Pastore para se perceber exactamente o tipo de coisas de que gosta. Ao contrário do que disse de Matuidi, que elogiou ad nausea, e sempre que mexia uma das pernas, Freitas Lobo passou o jogo a dizer que Pastore gostava de fazer as coisas com classe, que tecnicamente era evoluído, mas que era lento para jogar a este nível. O que fazia falta, a meu ver, era um comentador que, quando Freitas Lobo dissesse estas coisas, lhe perguntasse rapidamente o que achava de Pirlo, de Kroos, de Busquets, de Iniesta, de Thiago Alcântara ou de Fabregas. Gostava de saber, embora já saiba, de que maneira para Freitas Lobo estes jogadores são diferentes de Pastore. A resposta é óbvia, apesar de Freitas Lobo não a saber dar: são jogadores conceituados e, como tal, o que fazem é bem feito. A lentidão é apenas um defeito, para Freitas Lobo e outros atrasados mentais, de jogadores que não sejam conceituados. Nesses, lentidão é contemporização, planeamento, cérebro. Sim, pode-se jogar a este nível sem pressas, senhor Freitas Lobo! E não só se pode como é aconselhável que se faça. Na opinião de Freitas Lobo, o que falta a Pastore é ser Matuidi. Na opinião de quem percebe alguma coisa do jogo, pelo contrário, não falta nada a Pastore e falta tudo a Matuidi.

5. Sobre o duelo madrileno, tenho pouco a dizer. Foi mal jogado, de parte a parte, e só os adeptos de outros desportos e os amantes do futebol inglês é que podem gostar de um jogo cujo único motivo de interesse é a disputa da bola. Sim, foi um jogo intenso, muito disputado, com os jogadores muito empenhados. Dito isto, foi um jogo paupérrimo. Quando as equipas se preocupam em demasia em disputar cada bola como se fosse a última, transferem a concentração para essa necessidade e o futebol perde qualidade. Aproveitando a dicotomia proposta por Freitas Lobo, foi um jogo de Matuidis quando podia ter sido um jogo de Pastores. Há, no entanto, um lance que merece o meu reparo. Passou-se na área do Atlético de Madrid, com Benzema a receber uma bola com algum espaço. Ao invés de se tentar virar para a baliza, enquadrando-se com ela, o francês tentou uma habilidade de calcanhar, deixando a bola, contra todas as previsões, à entrada da área, para Ronaldo finalizar. Como Ronaldo estava apertado, o remate acabou por ser obstruído, e a jogada não teve efeito. Para Pedro Martins, que comentava o jogo, o avançado do Real tomou uma má decisão, pois estava em boa posição quando recebeu a bola e devia ter tomado a decisão mais simples de tentar finalizar ele. Não só não é certo, contudo, que Benzema ficasse com espaço para finalizar depois de rodopiar sobre si próprio, como não me parece que ser o mais simples possível seja sempre o melhor que há a fazer. Por vezes, complicar é a melhor decisão. E o que é espantoso, a meu ver, é que se diga que esta foi uma má decisão quando, semanas antes, em Camp Nou, numa jogada muito parecida, o toque de calcanhar do francês permitiu a Ronaldo fazer o golo com que, na altura, o Real empatava. Mais uma vez, é o desfecho da jogada, não a decisão do jogador, que conta para esta gente. Benzema lembrou-se de fazer uma coisa que poucos estavam à espera e fê-la bem. Como é normal, ele não pode prever o comportamento de todos os adversários, assim como não pode prever o comportamento do colega a quem vai entregar a bola. Tem que confiar que as coisas vão correr bem. Em Camp Nou, bastava que alguém do Barcelona tivesse antecipado aquilo para que a jogada não tivesse efeito. Neste caso, como no outro, só posso gabar a iniciativa de Benzema. Arriscou fazer uma coisa diferente que, tendo a desvantagem de ser mais difícil de pôr em prática, acarretava a vantagem de ser menos previsível para os adversários. Não foi bem sucedido, mas tomou uma boa decisão. Não perceber isto é também não perceber bem a diferença entre quem é simples e quem sabe simplificar.

6. A última nota é sobre a melhor liga do mundo. Há anos a fio que se diz que a Liga Inglesa é o melhor campeonato do mundo, o mais competitivo, aquele em que se joga melhor, etc.. Parece-me mais ou menos incontestável que é aquele que movimenta mais dinheiro e aquele que maior capacidade tem para atrair os melhores jogadores. Não se segue daqui que seja o melhor. Para dizer a verdade, é até discutível que esteja entre os cinco melhores campeonatos da Europa. O futebol em terras de Sua Majestade continua a ser primitivo e nem a chegada de treinadores continentais, contra os quais se levantam já algumas vozes, argumentando que estão a descaracterizar o futebol inglês, tem sido suficiente para que esse futebol se consiga manter ao nível dos melhores da Europa. Nos quartos de final da Liga dos Campeões, há três equipas espanholas, duas francesas, uma italiana, uma alemã e uma portuguesa. Nos quartos de final da Liga Europa, há duas equipas italianas, duas ucranianas, uma russa, uma espanhola, uma alemã e uma belga. Nos quartos de final das duas provas europeias, não resta uma única equipa inglesa. Não explicando tudo, explica alguma coisa. As melhores equipas inglesas estão num nível inferior às melhores equipas do resto da Europa, e as restantes equipas com aspirações europeias estão num nível inferior às restantes equipas do resto da Europa. Como é que a alegada melhor liga do mundo é incapaz de pôr um único clube entre os dezasseis que ainda se encontram em prova? Enquanto se continuar a achar que jogar futebol é correr muito, lutar muito e transpirar muito, nada mudará. Os treinadores continentais podem ser capazes de introduzir novas ideias, mas precisarão de décadas para mudar mentalidades. E é essencialemente a mentalidade que distingue o futebol inglês que faz com que seja bem inferior ao futebol que se pratica noutros sítios.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Ficar com a bola enquanto for preciso

A jogada é a do quinto golo do Barcelona, no passado fim-de-semana, em San Mamés, e tem sido amplamente elogiada sobretudo por aquilo que Messi fez. É possível, porém, dizer tantas coisas acerca dela que não resisto a trazê-la à discussão. Sim, deve elogiar-se o trabalho do argentino, que pôs meia equipa do Athletic de Bilbao a andar atrás de si antes de provocar a ruptura decisiva com o passe para Busquets. Mas não é tudo o que deve dizer-se acerca do lance. A primeira coisa em que a jogada me fez pensar foi nas pessoas que não compreendem o facto de certos jogadores, sejam eles quem forem e estejam eles em que circunstâncias estiverem, demorarem algum tempo a soltar a bola. Para muitos, há uma regra privada que diz que a bola deve circular rapidamente entre jogadores, sobretudo quando não há progressão no terreno. Uma vez que acreditam em tal regra, enervam-se sempre que alguém fica algum tempo com ela em seu poder, mesmo que essa decisão se deva à necessidade de procurar uma linha de passe segura ou à espera por uma desmarcação. Quando isso acontece perto da grande área adversária, então, segurar muito tempo a bola é invariavelmente entendido como perda de tempo e lentidão de processos. Na zona frontal, só com a linha defensiva pela frente, acreditam que se deve procurar espaço para o remate, um passe de ruptura ou, quando muito, uma combinação rápida com  um colega.

Para quase toda a gente, o que Messi fez, indo para a esquerda com a bola, não a soltando em nenhum colega e preferindo rodar por trás para voltar para a direita, em zona frontal à baliza, é uma bizarria. A todos os que pensam assim, mesmo àqueles que não o tenham pensado pela simples razão de se tratar Messi, deve ser dito que não pensam bem. Um jogador não deve soltar a bola porque sim, porque alguém estipulou que é errado ficar com ela durante muito tempo, da mesma maneira que não deve agarrar-se a ela porque sim, porque tem qualidade individual suficiente para tirar um ou outro adversário do caminho. São as circunstâncias que determinam quais as melhores decisões a tomar, e um jogador deve agarrar-se à bola ou soltá-la consoante as circunstâncias. É isso que distingue um bom jogador de um jogador desenrascado. Há jogadores que aproveitam o espaço que têm para fazer o que sabem fazer, sejam as circunstâncias quais forem. Vivem daquilo que o jogo lhes permite e tentam pensar o mais rapidamente possível, para que o pouco espaço de que dispõem, a cada instante, não seja desperdiçado. Não esperam pelo melhor momento, nem procuram alterar as circunstâncias com um compasso de espera, protegendo a bola até aparecer a melhor solução, etc.. Lembro-me de dois médios ofensivos relativamente recentes de que nunca gostei particularmente e cuja reputação sempre me pareceu excessiva, que ilustram este defeito: Neca e Rúben Micael. Há evidentemente virtudes em ser um jogador de um ou dois toques. Mas um jogador que não é mais do que isso, que não prende a bola em situação alguma e que acredita que prendê-la é sempre errado não é um grande jogador. Se há coisa que a jogada de Messi demonstra é que há momentos em que segurar a bola, ir para um sítio com ela para voltar ao ponto de origem depois, atrair adversários e esperar por desmarcações de colegas é a melhor decisão a tomar. Note-se, aliás, que não era sequer preciso ser Messi para fazer o que o argentino fez. Não há nada de especialmente difícil, do ponto de vista técnico, no lance. Há algum atrevimento, que não haveria se não houvesse confiança nos seus atributos técnicos, mas não há, em momento nenhum, nada que outro jogador minimamente razoável em termos técnicos não pudesse fazer.



A última coisa de que quero falar é da desmarcação de Busquets. Enaltecer as decisões de Messi sem lembrar a decisão de Busquets de solicitar aquele passe é tremendamente injusto. Sem ela, o lance não teria dado golo e ninguém elogiaria agora Messi. Pelo contrário, dir-se-ia que Messi se agarrara em demasia à bola, que desperdiçara linhas de passe e que permitira à defesa adversária controlar o lance sem grandes problemas. Para fazer um passe, como para dançar o tango, são precisas duas pessoas. Nenhum jogador, por melhor que seja, joga sozinho, e nenhuma boa decisão depende apenas de um jogador. Busquets é médio defensivo e, normalmente, é responsável por dar apoios recuados. Quando muito, oferece uma solução lateral ao portador da bola. E, naquele lance, poderia ter-se limitado a dá-la. Busquets percebeu, no entanto, que no momento em que Messi decide passar entre os dois jogadores adversários, havia uma melhor decisão do que ficar à espera do passe lateralizado do argentino; percebeu que, se iniciasse a marcha naquele momento e passasse nas costas do lateral, Messi iria ter uma linha de passe perfeita, instantes de segundo depois, entre o central e o lateral. Ao perceber as circunstâncias do lance, e aquilo que elas lhe pediam, Busquets percebeu que a melhor decisão que tinha a tomar, para facilitar a decisão do seu colega, era solicitar a bola naquele espaço. A isto chamo capacidade de leitura. O movimento de Busquets é profundamente atípico no jogador catalão e ninguém lhe levaria a mal que fizesse aquilo que está mais habituado a fazer, que seria oferecer uma linha de passe segura. Mas Busquets não é um jogador qualquer. A sua capacidade de leitura dos lances é muito acima da média, e aquilo que fez demonstra-o bem.

Quando se voltar a criticar um jogador que, não provocando duelos individuais, demora muito a soltar a bola, pense-se primeiro no que esse jogador está verdadeiramente a fazer. Leiam-se as circunstâncias e veja-se se, por acaso, ele não estará a pensar bem, se não estará à espera de uma solução mais fiável, de um linha de passe melhor, de um desequilíbrio da equipa adversária. E olhe-se bem para o jogo, quando isso acontecer. Que se tenha a capacidade de ver se, além de tudo isso, os colegas do portador da bola estão a fazer tudo o que devem para que ele possa tomar a melhor decisão possível. Não é nada incomum que um jogador, sobretudo um jogador inteligente, se agarre à bola sobretudo por ter intuído qualquer coisa que os colegas não intuíram ou que, tendo intuído, acharam arriscado pôr em prática. A intuição que esse jogador teve pode ser muito boa, mas, se os colegas não a facilitarem, será ineficaz. E quem é criticado é, geralmente, quem não se desfez da bola a tempo. Um bom jogador - dizem - joga bem em qualquer campo e em qualquer equipa. Não podia estar mais em desacordo. Qualquer jogador, sobretudo aquele que se destaca pelos aspectos intelectuais, é aquilo que a equipa em que joga lhe permitir ser. Numa equipa fraca do ponto de vista intelectual, um jogador inteligente só ocasionalmente se destaca pela sua inteligência. Sempre que faz ou tenta fazer algo que vai para lá das capacidades intelectuais dos que o rodeiam ou das capacidades colectivas da equipa em que está inserido, é incompreendido. Para os que não o compreendem, a imaginação com que joga e que, em equipas a sério, é o atributo mais requisitado, é invariavelmente descrita como egoísmo.

P.S. O blogue tem funcionado a meio-gás nos últimos meses e continuará a funcionar assim durante mais algum tempo. A todos os seguidores, a única coisa que posso prometer é que, a partir de Setembro, passará a ser possível escrever com mais regularidade.