quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Sergi Roberto e a Timidez

Sergi Roberto é um dos médios espanhóis mais promissores. Já tinha falado do seu talento anteriormente aqui, e continuei sempre a pensar o mesmo. Ainda assim, a sua afirmação tem sido adiada época após época. Depois da saída de Fabregas e Thiago Alcântara, parecia chegada a altura dele, mas tal não foi o caso, e cheguei a pensar que o seu destino não seria muito diferente do de Jonathan dos Santos, outro médio talentoso cuja evolução estagnou por falta de oportunidades. À partida para esta época, e mesmo com a saída de Xavi, Sergi Roberto parecia ser apenas o quarto médio (as primeiras três opções para o lugar de médio ofensivo, no Barça, eram claramente Iniesta, Rakitic e Rafinha) e, pelas indicações dadas na pré-época, parecia poder jogar mais tempo a lateral direito do que propriamente a médio. Foi assim, aliás, que começou a dar nas vistas, aproveitando a lesão de Dani Alves para aparecer em grande nível, como se tivesse sido lateral toda a vida. A inteligência e a criatividade são os seus principais atributos, e Sergi Roberto parece um exemplo feliz de como isso é tudo o que um jogador de futebol realmente precisava para poder vingar, seja qual for a posição. Apesar de nunca ter sido lateral, parecia saber exactamente o que fazer em cada situação, e foi mesmo o melhor em campo em vários jogos. O regresso de Dani Alves à actividade parecia, contudo, votar Sergi Roberto ao banco de suplentes, e durante algum tempo as suas excelentes prestações não pareciam ter sido devidamente reconhecidas. A lesão de Rafinha permitiu-lhe, porém, alguma utilização como médio, e a lesão mais recente, de Iniesta, contribuiu para que fosse presença assídua no meio-campo do Barça. E o que Sergi Roberto fez, nos últimos jogos, foi o suficiente para tornar difícil a vida a Luis Enrique a partir de agora. No último fim-de-semana, acrescentou à regularidade exibicional uma preponderância ofensiva muito assinalável: além do muito que tem jogado, foram dele as duas assistências para os dois golos com que o Barcelona venceu o Getafe. A primeira, então, é qualquer coisa de sublime, e merece todo o destaque.



Sergi Roberto pertence a um tipo de jogador que, não obstante o talento inegável, parece acusar alguma timidez. Sou defensor de que, numa equipa de futebol, cada jogador deve ter um tratamento diferenciado. Havendo perfis (psicológicos, atléticos, etc.) diferentes, há naturalmente quem mereça uma oportunidade e há quem mereça dez. Um jogador mais tímido, por exemplo, precisa de mais tempo para se sentir confortável dentro de uma equipa e, portanto, precisa de mais tempo para mostrar as suas qualidades. Um jogador mais irreverente, pelo contrário, precisa de menos tempo. Até pelo talento que lhe era reconhecido quando jovem, Sergi Roberto foi sempre permanecendo em Camp Nou. Ainda assim, não se soube, durante largas épocas, tornar confortável ao jogador a sua posição na equipa, e ele continuou incapaz de se livrar da sua timidez. E, se não fosse pela circunstância das várias lesões que fustigaram o plantel às ordens de Luis Enrique, ainda não era esta época que se afirmaria. O caso de Sergi Roberto é, também por isso, muito relevante para se perceber por que é que certos jogadores que parecem destinados ao sucesso acabam por passar ao lado de grandes carreiras.

O melhor exemplo que poderia dar como comparação é o de Bruno Pereirinha. É, de longe, o jogador português mais talentoso da sua geração, e está condenado a uma carreira irrisória. Até apareceu bem no Sporting, com a confiança que advinha de terem muitas expectativas a seu respeito, mas aos poucos foi acusando a sua timidez natural. Se ao seu talento somasse a irreverência que outros têm, a sua carreira teria decerto sido diferente. Podia não ter chegado ao nível a que poderia chegar, dada a conjuntura difícil que encontrou no Sporting, mas teria certamente merecido outro género de aposta, nos mais diversos clubes. A sua timidez levou, inicialmente, a considerar que nem sequer era médio, sendo a lateral que quase todos acreditavam que podia evoluir. Até por aí o seu caso é semelhante ao de Sergi Roberto. A inteligência, como a do espanhol, permitia-lhe jogar a lateral com facilidade, e as pessoas acabaram por considerar que essa era a sua melhor posição. Não era. Como não é a de Sergi Roberto. Tem facilidade nesse lugar, porque tem um talento fora do comum e porque percebe o jogo com facilidade, mas é médio. Como Sergi Roberto é. E é como médio que se espera que Sergi Roberto evolua. No início da carreira no Barça, Iniesta passou por problemas semelhantes. O perfil psicológico dos dois não é, aliás, muito diferente. E o talento, por sinal, também não. A diferença estará sempre na evolução, e nas circunstâncias que a possibilitem. Sergi Roberto já mostrou que merece a aposta, e cabe ao treinador e ao clube perceber que um jogador, por melhor que seja, precisa de que acreditem nele e de que o deixem descobrir, por si, como acomodar a sua timidez com a sua qualidade. A meu ver, o futuro do meio-campo espanhol passa necessariamente por ele e seria um desperdício não o ver, daqui a poucos anos, a comandar a selecção do país vizinho ao lado de Thiago Alcântara e de Oliver Torres.